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Novos rumos, novos tempos

Com base em três pilares, programa exige que empresas iniciem a jornada de implantação priorizando a governança para avançar em boas práticas rotineiras, sociais e ambientais

Por Rúbia Evangelinellis

Em um tempo em que o esforço pela proteção do meio ambiente, pela preocupação com os problemas sociais e pelas complexidades com a governança passaram a fazer parte das conversas de consumidores e de encontros de networking, e ainda balizam decisões de possíveis investidores e parcerias comerciais, o tema ESG ganha cada vez mais corpo. Especialistas destacam a necessidade de as empresas avaliarem o tema, e estudarem como podem adequar-se com ações propositivas e com o passo que podem dar, com respeito ao seu porte e caixa. 

E acrescentam, sobretudo, a necessidade de, em primeiro lugar, adotarem medidas que visam boas práticas rotineiras, obtendo, assim, a maturidade e a cultura de condutas que espelham os seus propósitos. Ainda que estejam à frente de quem engatinha no processo, empresas de grande porte e com atuação na cadeia de abastecimento, como Danone, Leão, Martins, P&G e Unilever, relatam suas experiências. E, pelo desenvolvimento dos programas, apontam que existe, sim, uma jornada nessa direção, e que é preciso se preparar para ela, olhando o que já se tem, o impacto de suas ações na sociedade e no meio ambiente e avaliando como podem colaborar tendo na mira onde querem chegar.    

De olho nos novos rumos, a ABAD reconhece a necessidade de avançar nas discussões sobre o tema para ajudar as empresas do setor a se ajustarem ao chamado “capitalismo de stakeholders”, pelo qual a empresa é atraente aos investidores e ao mercado quando vai além dos lucros e conta com um plano de negócios sustentável, que visa a contribuição que podem oferecer para o desenvolvimento da sociedade e do meio ambiente.

Apoio da ABAD

Leonardo Miguel Severini, presidente da ABAD – Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores, entende que o tema ESG já é uma realidade de comportamento, educação e cidadania, fato que exige uma ação da entidade. “A ABAD está absorvendo cada vez mais esse conceito para que as empresas do setor tenham subsídios para criar caminhos de comunicação com seus ecossistemas, a fim de se transformarem para essa nova realidade”, ressalta .

Leonardo Miguel Severini, presidente da ABAD

A Associação vai instalar um comitê de estudos e discussões sobre ESG, que está sendo alicerçado e deverá contar com a participação de grandes indústrias. Será coordenado por Alessandro Dessimoni, consultor jurídico, conselheiro de administração e com especialização em direito societário. Segundo o especialista, a proposta consiste, a partir da observação e da participação de players do mercado, e contando com a prática em ESG, em contribuir para o desenvolvimento de estratégias para a cadeia de abastecimento.

“Vejo no setor muitas empresas com ações pontuais e que precisam desenvolver um programa com ação holística. A ABAD, como entidade, quer promover o debate, provocar a discussão dos temas principais, e que abordem o propósito e o papel das empresas do setor e de como elas podem começar a discutir e a ter uma agenda pró-ativa de temas ligados à ESG. E que também entendam o que faz sentido no que se refere a ações para o setor e para a cadeia de abastecimento, podendo ter como base grandes objetivos, princípios de sustentabilidade e liberdade de ações das escolhas que podem adotar”, ressalta.

Entre os temas que podem despertar o interesse do setor estão o respeito pelas leis trabalhistas; a remuneração de diretores, gerentes, executivos; a gestão de resíduos sólidos e o trabalho para buscar uma frota mais limpa. “Tudo isso traz credibilidade, reputação aos negócios”, acrescenta Dessimoni.

Governança, prioridade negligenciada 

Avaliando o atual contexto e a maneira pela qual o ESG é algumas vezes abordado, André Burger, economista e membro dos conselhos de administração de diversas empresas brasileiras, de médio e grande portes, lamenta que o tema ainda é visto, no País, em alguns casos, como ações que focam apenas questões ambientais e sociais, sem considerar, na mesma escala de prioridades, as boas práticas. Neste primeiro momento, acrescenta, são elas que dão um norte e um suporte para uma conduta de transparência, de correção de rumo. 

“Tenho visto que se dá mais ênfase às letras E (environmental, ambiental) e S (social), que são ações midiáticas, e pouco ao G (governance). No entanto, em um primeiro momento, as empresas deveriam dar mais importância à governança. Por exemplo, vivemos em um País em que a corrupção é um fato há muitos anos, e isso é tratado na G pura. Antes de acrescentar novas tarefas e atividades à empresa, é preciso arrumar, acertar aquilo que, por mais tempo, comete-se falhas. Falta governança quando há corrupção, e quando as estatais são geridas politicamente e não visando o maior benefício para seus acionistas.”

O especialista também destaca a necessidade de se avaliar o custo para a implantação de um programa de ESG, especialmente na instalação em empresas pequenas de todo um “compliance”, acompanhamento, regramento para iniciativas de alto custo, como controle ambiental e de normas sociais, quando já existem ações em âmbito geral, como do ministério do trabalho para o social (como inibir a discriminação por raça, orientação política, religiosa e sexo). E pelo lado ambiental, acrescenta, há todo um regramento, tanto no nível federal e estadual como no municipal, no tocante ao tratamento de resíduos.  Em síntese, Burger entende, a importância de avaliar, de forma propositiva, questões relacionadas à ESG e entender, sobretudo, que tudo tem um começo, que tem suas dificuldades, exige adequações, pensar e repensar processos e caminhos, mas começando pelas boas práticas cria-se um caminho, elimina-se uma série de fatores e se desenvolve uma cultura. 

O que é mesmo ESG?

A EG é a sigla de Environmental, Social and Governance. Traduzido do inglês para o português, refere-se às práticas ambientais, sociais e de governança adotadas por uma empresa.Surgiu em 2004, no Pacto Global lançado pela ONU – Organização das Nações Unidas), em parceria com o Banco Mundial. A proposta foi convencer empresas para que se empenhassem em adotar princípios sustentáveis nas áreas ambiental, social e de governança. 

O ESG está intimamente ligado à ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da ONU. São 17 grandes temas, que compõem um grande Pacto, com o propósito de levar empresas e países a atingi-lo até 2030. Entre eles estão: erradicar a pobreza, atingir fome zero, educação, igualdade de gênero, água, saneamento, redução de desigualdades econômicas e sociais. Cabe às empresas decidirem que ações pretendem adotar a respeito. 

No campo ambiental, por exemplo, há empresas que cuidam, trabalham, têm metas, objetivos nessa área, promovem ações ligadas, por exemplo, ao combate ao aquecimento global, à emissão de gases poluentes, à poluição das águas, ao desmatamento, e à gestão de resíduos sólidos. “Isso vai além da redução do uso do papel e à eliminação do acúmulo de copos de plástico dentro da empresa, que também são medidas importantes e fazem parte da gestão de resíduos sólidos, que é um dos pontos”, ressalta Alessandro Dessimoni. 

Jornada sustentável 

Ciente da responsabilidade de adotar um plano ESG que signifique manter uma jornada de longo prazo, longe de modismo, e adequado aos seus valores, o grupo Martins entra na fase da consolidação de um modelo de negócios sustentável, mirando em ações já estabelecidas, seja na defesa do meio ambiente, na capacitação de parceiros da cadeia produtiva (varejo) e no campo social.

“A família do senhor Alair Martins sempre manteve um compromisso com a sociedade, com o meio ambiente. O ESG é uma agenda de uma jornada de longo prazo e, além de estar adequada ao nosso propósito, é preciso trabalhá-la de maneira estruturada”, explica Rubens Batista Júnior, CEO da empresa.

Entre os feitos da empresa, implementado antes mesmo do surgimento da sigla ESG, está a Universidade Martins do Varejo, primeira plataforma criada de apoio aos varejistas, criada há mais de 30 anos, que contabiliza 360 mil profissionais capacitados e 40 mil projetos executados, e também o Instituto Alair Martins, lançado em 2005 e que tem como missão “desenvolver o potencial de adolescentes e jovens para construir visões do futuro e transformá-las em realidade por meio da Educação para o Empreendedorismo, contribuindo para o seu crescimento nos campos pessoal, social e produtivo, e na promoção de uma cultura de preservação ambiental.”

Ainda que já tenha desenvolvido diversas ações que remetem à ESG, embora a tenham precedido, o compromisso neste momento é o de criar uma “matriz” de materialidades para entrar em 2023 com a clara definição do plano. O momento é de capacitação de pessoas-chaves na liderança e na diretoria, e que atuam como agentes multiplicadores de boas práticas no Grupo. “Temos 56 frentes listadas e em execução, aderentes à perspectiva ESG, e mais 28 oportunidades mapeadas. Contratamos uma consultoria para realizar esse mapeamento, que apresentou a metodologia, com um questionário de mais de 300 perguntas para classificar as ações. A partir de agora, empenhamo-nos em mostrar aos diretores a necessidade de contar com uma gestão diária e obrigatória para os trabalhos de execução, como em situações de escolher os candidatos aos trabalhos apenas pela competência profissional, respeitando a diversidade (sem discriminar, por exemplo, pelo sexo ou pela cor)”, explica Jorge Feliciano, gerente-executivo de gente e gestão.

Agenda de Cidadania

A Agenda de Cidadania é a identificação, dentro da P&G, de como o programa de ações e práticas ESG focaliza três pontos: impacto na comunidade, equidade e inclusão, e sustentabilidade ambiental.  

Tirso Mello, vice-presidente de Vendas da P&G Brasil, explica que o pilar de ações voltadas para a comunidade, tem na mira o desenvolvimento integrado da infância por meio de programas de educação, saúde e bem-estar, como o P&G pela Educação e o Água Pura para Crianças. “A fim de mitigar os impactos da crise no Brasil, também trabalhamos junto às instituições, como United Way e PROA, para fortalecer esforços de mentorias e educação para guiar os jovens em suas carreiras, assim como doações como meio de suporte às pessoas em situações de vulnerabilidade.”

Tirso Mello, vice-presidente de Vendas da P&G Brasil

Durante a pandemia, acrescenta, a empresa optou por ampliar o trabalho de cidadania e lançou a Aceleradora P&G Social – projeto perene da companhia com diversas ondas. Na primeira edição, procurou catalisar conexões e acelerar ideias inovadoras focadas nas necessidades geradas pela pandemia. Na segunda onda, o mote foi alavancar o desenvolvimento de empresas fundadas e geridas por negros. Na terceira onda, impulsionou 22 jovens que mobilizam mudanças na sociedade por meio do diálogo com a sociedade civil, organizações privadas e líderes de opinião. E na quarta onda, lançou um projeto ESG para o varejo, o Match do Bem, que visa unir esforços com clientes para potencializar o impacto na sociedade e no meio ambiente por meio da aceleração de projetos de organizações de terceiro setor. Com a marca Always, a P&G entra na quinta onda.

A empresa também investe em dois projetos: P&G para Você e #PrideSkill. O primeiro tem como foco criar representatividade étnico-racial dentro da companhia, capacitando os participantes do processo seletivo com aulas de inglês, treinamentos e mentorias. E o segundo tem o objetivo de facilitar a busca por profissionais LGBTI+. 

Programa avançado

A Danone conquistou o selo B, que reconhece organizações no mundo que praticam a nova economia, na qual o sucesso é medido pelo bem-estar das pessoas, da sociedade e da natureza. “Para receber a certificação, passamos por um criterioso e longo processo que mensurou o desempenho social e ambiental das nossas unidades de negócios em cinco pilares: governança, relação com trabalhadores, meio ambiente, relação com a comunidade e com clientes, por meio do modelo de negócio de impacto”, explica Michael Behrndt Jr., diretor de Inovação e Sustentabilidade da empresa. 

Combater alterações climáticas e colaborar para uma economia de baixo carbono são alguns dos compromissos da indústria. Entre as suas metas (no âmbito global) estão investir 2 bilhões de euros entre 2020 e 2023 no combate às mudanças climáticas; eliminar emissões líquidas de carbono até 2050; adotar 100% de energia renovável nas operações até 2030; reduzir o consumo e aumentar a eficiência energética dos equipamentos, processos e operações das fábricas.

Em 2020, a Danone também se tornou a primeira empresa a incorporar o estatuto de “Entreprise à Mission”, criado pela lei francesa em 2019 e que define as empresas cujos objetivos nos âmbitos social e ambiental estão alinhados a esse propósito e previstos em seus estatutos. “Ao adotá-lo, demos mais um passo na busca por um modelo de criação de valor sustentável para os nossos stakeholders”, explica.

A empresa segue o modelo adotado na matriz e, no Brasil, além da conquista da certificação B, trabalha com seus projetos locais nos pilares globais de Clima, Agricultura Regenerativa, Circularidade, Desperdício de Alimentos e Água.

“Investimos em projetos para expandir a agricultura regenerativa dentro e fora de nossa cadeia de fornecimento e, em 2019, criamos o Projeto Flora, que integra pecuária e floresta na produção de leite, reforçando que sustentabilidade pode ser uma forma eficiente de fazer negócio. Além disso, desenvolvemos projetos com impacto positivo tanto no meio ambiente como no campo de inovação e no campo social, como de Kiteiras (venda de kits de iogurtes por catálogo, empoderando mulheres em situação de vulnerabilidade social e que conta com mais de 6.300 participantes) e Caruanas (ajuda a pequenas comunidades rurais a transformarem propriedades levando-as a adotar a agricultura orgânica, o uso sustentável da terra e a preservação da água)”, relata o diretor.

Pilares bem definidos

O Plano Leão Sustentável apresenta um modelo de gestão com pilares direcionados para a defesa de pessoas, o desenvolvimento da cadeia agrícola e a proteção do meio ambiente. A indústria opta por um modelo de gestão adaptativo, flexível, responsável e humanizado. Tem por mira a qualidade de vida e o bem-estar dos colaboradores, e estimula a diversidade e a inclusão. “Iniciativas sobre gênero, orientação sexual, extensão de benefícios para casais homoafetivos e licenças-maternidade e paternidade estendidas são algumas das políticas inclusivas adotadas há mais de nove anos”, explica Fabiano Rangel, head de Desenvolvimento Organizacional e Institucional da Leão Alimentos e Bebidas.

 Entre as ações na cadeia agrícola, Rangel destaca o programa implantado em parceria com a Solidariedad (ONG da América Latina) para o desenvolvimento de suprimentos. Além disso, mais de 80% da erva-mate comprada dos ervateiros é processada com energia renovável.

Na defesa do meio ambiente, a empresa incorporou em seus processos diversas ações e, segundo informou, foi a primeira fábrica com certificação LEED do Sistema Coca-Cola, a qual incentiva e acelera a adoção de práticas de construção sustentável.

Fabiano Rangel, head de Desenvolvimento Organizacional e Institucional da Leão Alimentos e Bebidas

“Um exemplo de projeto é o de gestão hídrica eficiente, que opera com zero waterfootprint. Em 2020, foi implementado um programa de reuso de água. A empresa também implementou um plano de gestão de carbono, com inventário regular e medidas de redução de emissões, otimização de fretes, transportando mais volume em território nacional.

Em 2021, a Leão também investiu na redução dos impactos de resíduos, substituindo a embalagem de celofane por uma nova linha. “Temos a estimativa de que essa medida reduzirá em quatro toneladas o descarte de plástico”, explica Rangel. Entre os resultados positivos já observados com o ESG, o executivo cita a redução em 100% do volume de lançamento de efluente e a diminuição do uso de plástico nas embalagens.

Longa tradição 

A Unilever afirma que tem uma longa tradição no caminho da sustentabilidade e preparada para o futuro. Em 2010, lançou o Plano de Vida Sustentável da Unilever (USLP), que teve um ciclo de vida de dez anos. Em 2021, criou o plano de negócios Unilever Compass, pautado pelos critérios ESG. O Compass é o guia diário de negócios adotado em todos os países em que opera. Atua com foco em três pilares: melhorar a saúde do planeta; melhorar a saúde, a confiança e o bem-estar das pessoas; e contribuir para um mundo mais justo e socialmente inclusivo.

Indagada sobre os desafios de implantar o plano no Brasil, Juliana Abreu, gerente de Sustentabilidade, explica que os três pilares são abrangentes, complexos e se complementam. E, dessa forma, “não há um sistema único a ser implantado, mas sim, diversas iniciativas, projetos e ações em variadas frentes de trabalho – social, ambiental e de governança – que apoiam o propósito de tornar a sustentabilidade algo comum na vida das pessoas.”

Com essa amplitude de atuação, acrescenta, quando se fala em desafios, se reconhece que eles podem ser vários, bem como as soluções e as inovações que surgem para transpor os mesmos. Cita, como exemplo, o avanço da agenda de circulação  do plástico e o aumento do uso de plástico reciclado no Brasil. 

Atualmente, quase 100% das marcas da Unilever que utilizam embalagens rígidas já contam com a inclusão de algum percentual de resina reciclada pós-consumo (PCR). As marcas de produtos para limpeza da casa, e muitos dos produtos de higiene pessoal, como xampus, condicionadores, cremes para pentear e cremes de tratamento, utilizam resina reciclada nas embalagens.

A empresa também começou a utilizar material reciclável monomaterial nas embalagens das linhas Meu Assado e Sopinhas de Knorr. E, no início de 2022, anunciou mais de cinco toneladas da marca Arisco com plástico reciclado nas embalagens de temperos.Entre os exemplos de conquistas relatados e que representam entregas mais sustentáveis para a sociedade estão: 96% menos resíduos enviados para descarte; 65% de redução nas emissões de CO2   nas fábricas desde 2008; 49% de redução do uso de água nos processos de fabricação; alcance de 100% de energia renovável em todo o mundo; e 62% de matérias-primas de origem sustentável.

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