CAPA

Trabalho conjunto

Com um grupo formado por indústrias e empresas do atacado distribuidor, o Comitê do Canal Indireto aponta caminhos para a evolução com a digitalização e inclusão do pequeno varejo

por Rúbia Evangelinellis

Ao completar 10 anos de existência, o Comitê do Canal Indireto, criado pela ABAD, que reúne, lado a lado, indústrias e atacadistas distribuidores, encerra mais um ciclo de trabalho com uma desafio e tanto: fomentar a inclusão do pequeno varejo nos processos de digitalização a partir da capacitação, segmentação, utilização de ferramentas de inteligência artificial e de execução de ações de fortalecimento dos pontos de vendas.

Formado por empresas representativas de ambos os setores, o grupo, com cerca de 20 integrantes, tem como norte abordar temas relevantes, conjuntamente, e apresentar soluções que visam a melhoria das relações comerciais presentes, pensar no futuro, guiado pelas tendências sinalizadas pelo mercado. E neste ponto a tecnologia é vista como a principal ferramenta para acelerar processos operacionais, as negociações e alavancar os elos de abastecimento, dando solidez às empresas para atender um consumidor cada vez mais digitalizado e multicanal.

“Durante os encontros, vimos que não adianta discutir a digitalização só na indústria e na distribuição. É preciso incluir o pequeno varejo, que está pressionado por várias ferramentas, como marketplace e iniciativas de vendas diretas ao consumidor”, explica Roger Saltiel, que coordena o Comitê do Canal Indireto,  juntamente com o professor e economista Nelson Barrizzelli. A proposta de inclusão do pequeno varejo será explanada durante a 42ª Convenção da ABAD, tema de um dos painéis.

AVANÇO E VISÃO Roger Saltiel explica que, nos últimos cinco anos, os trabalhos avançaram e proporcionaram uma visão de tendências vislumbradas para o canal indireto. “Primeiramente, elencamos três grandes eixos: maior acesso às informações, aumentando a eficiência da operação; o avanço de novas tecnologias mudando o papel do vendedor; e a segmentação/especialização essenciais para a sobrevivência do canal indireto.”

A partir de então, o comitê abordou iniciativas para que as companhias se preparassem para esse futuro. Mas veio a pandemia, o cenário mudou e mostrou a necessidade de dar um “zoom” na digitalização. A partir das conversas em grupo, surgiu a Mandala da Digitalização, apresentada na 41ª Convenção da ABAD, em 2022, que expande o horizonte para além do e-commerce e destaca a inteligência de dados e a integração da tecnologia em logística, finanças, treinamento, processos administrativos, trade marketing e execução.

NOVA ERA Entre os integrantes do comitê está a Mercantil Nova Era, que opera como atacado distribuidor com entrega e com autosserviço na Região Norte. É claramente um exemplo de que o comitê ouve e reúne companhias com experiência na atuação regionalizada, sabem onde pisam e têm interesse em potencializar o negócio, respeitando as características locais e o passo que podem dar.

Dona de um faturamento declarado de 2,321 bilhões de reais ao Ranking da ABAD/NIQ 2023 ( ano base 2022), tem como principal operação o cash&carry, que responde por 70% dos negócios, e engloba 18 lojas – três em Roraima, quatro em Rondônia (onde atua também como atacado distribuidor e tem uma carteira de 2.500 clientes e um portfólio de 4 mil itens) e 11 no Amazonas. As lojas localizadas em Manaus (AM) atendem também aos clientes do interior, que fazem os pedidos pelo telemarketing e esperam a entrega.

Luiz Gastaldi Júnior, presidente da Nova Era, participa das reuniões do comitê desde o início. Considera de extremo valor a iniciativa por reunir empresas representativas de todo o país. “É um grupo rico de opiniões. Os assuntos são discutidos abertamente, considerando a diversidade e as particularidades das regiões e mercados. O comitê nos leva a um exercício de pensar em como fazer para aprimorar o atendimento”, destaca.

A Nova Era abastece uma área que exige conhecimento geográfico na palma da mão e requer estratégias para entregar produtos e serviços aos clientes localizados no interior, em vilarejos, onde se chega somente por via fluvial, transporte lento e sujeito às variações do nível de água dos rios.

Apesar das dificuldades encontradas para chegar aos seus destinos, somadas aos problemas relacionadas de sinais de internet, que dificultam a comunicação virtual, o empresário considera positivas as questões abordadas no comitê e destaca especialmente o entendimento de que o pequeno varejo precisa de apoio para se integrar às novas tecnologias, aos novos modais de venda.

GRUPO MARTINS Com uma vivência de cerca de três anos no comitê, Marco Antônio Tannús, diretor de compras do varejo alimentar e farma do Grupo Martins (2º no Ranking ABAD/NIQ 2023, com faturamento de 7,065 bilhões de reais em 2022), também aprova o comitê. “É um fórum de discussão bastante amplo, de aprendizado, democrático e que agrega valor. Permite que a indústria e o atacado discutam temas de interesse de ambas as partes e abordem iniciativas que convergem para a melhoria da eficiência do atendimento e da cadeia como um todo.”

O ambiente de confiança, acrescenta, permite ainda o compartilhamento de informações, o network do grupo visando ao ganha-ganha, sem a preocupação de ter ao seu lado um possível concorrente. Tannús considera essencial destacar ações que remetam o fortalecimento cooperativo do setor, dos elos do abastecimento, em um momento em que a concorrência externa cresce, como de alguns aplicativos de vendas.

“Vejo que a competição não está dentro do comitê, mas no mercado onde estamos inseridos. Discutir isso de forma aberta, as oportunidades de crescimento, é muito positivo. Parabenizo a iniciativa, a finalização do ciclo com o tema digitalização e espero que se abra outra pauta importante para a sustentação do nosso negócio, que ele continue com a discussão de pautas abertas e transparentes.”

O Martins adota um sistema de inteligência artificial, de utilização intensiva de dados com foco na transformação do papel do representante comercial autônomo/vendedor, que recebe ferramentas de algoritmo para melhorar o processo de vendas e de abordagem dos clientes. “Somos cada vez mais guiados por dados, por informação para benefícios da operação, melhoria de processos, eficiência operacional e de produtividade. Ganhamos tempo inteligente.”

DESTRO MACROATACADO Emerson Destro, diretor-geral do Destro MacroAtacado (empresa com faturamento de 2,29 bilhões de reais em 2022, segundo o Ranking ABAD/NIQ), também considera assertivas as ações do comitê, especialmente a ênfase dada ao avanço da digitalização e a importância de as empresas estarem adequadas e preparadas para a aceleração virtual. “O processo de inclusão do pequeno e médio varejo dentro desse cenário é necessário. Percebemos inclusive que a partir da pandemia, os pequenos varejistas, de uma forma muito rápida, se adaptaram, improvisaram e conseguiram fazer atendimento pelo Whatsapp, ao responder as mensagens de listas de compras enviadas pelos clientes tradicionais.”

Ele destaca a importância de o comitê levantar essa bandeira é a possibilidade de agregar um conjunto de ideias e estratégias de distribuidores e indústrias que já trilham esse caminho há algum tempo, ou seja, com e-commerce e marketplace. Citou como exemplo o Abastecebem, projeto de marketplace da ABAD, que se traduz como uma forma de vender mais, de forma ágil e econômica. E possibilita que os varejistas tenham acesso a uma quantidade maior de produtos, contando ainda com a inteligência do sistema destinando ofertas, sortimento ideal, ao perfil dos clientes”, observa.

Destro recorda que um dos pontos muito comentados no comitê mostra que, quando o cliente vai para os canais digitais, passa a enxergar ofertas, oportunidades, combos e acaba comprando até 30% mais de produtos. “Ele melhora o sortimento de compras quando comparado ao sistema tradicional, já que faz os pedidos considerando somente o que vende e não enxerga o que o mercado está comprando, por não ter inteligência embarcada dentro do negócio dele. O fato é que os canais digitais vêm para ajudar o pequeno varejo a melhorar a oferta de produtos na sua loja e, consequentemente, a venda e a rentabilidade.”

PELO OLHAR DAS INDÚSTRIAS Três fornecedores participantes do comitê fazem coro aos depoimentos que ressaltam como positivos e propositivos os trabalhos do comitê. Para Tirso Mello, vice-presidente de Vendas da P&G Brasil, considera os encontros importantes para o estreitamento do relacionamento com o setor. “Os temas são tratados como debates em que são colocados ideias e pontos de vista diferentes para se chegar a um entendimento ou conclusão. Provoca a interação e é diferente dos diálogos em convenções, feiras ou reuniões amplas. É uma experiência interessante e proveitosa.”

Neste ano, sob a tema digitalização do pequeno varejo, o executivo observa que todo o processo de pensar em grupo é abordado fazendo uma leitura de como a indústria e o agente de distribuição chegam a esses pontos de vendas, e como esse varejista faz a operação de compra, o gerenciamento de estoque e de vendas, a cobrança e outros procedimentos.

“Hoje, tem o pagamento via Pix, (modalidade) que não existia cinco anos atrás, e para isso esse pequeno varejo precisa ter alguma digitalização. Tratar desse tema é importante para perceber o grau de conhecimento e de uso das ferramentas e como pode-se potencializar.”

Roberto Souto, diretor do canal indireto da Mondelez, por sua vez, observa o valor do comitê por promover maior aproximação entre fornecedores e o canal indireto em um ambiente de diálogo franco. “Por exemplo, nas discussões sobre a digitalização, a indústria mostrou que o mercado ainda tem muito espaço para evoluir e chegar na ponta. Falamos em digitalização, segmentação e previsão de cenários futuros, mas ainda estamos tratando de questões pontuais, como promoções. O fato é que a pandemia acelerou parte de um processo em um tempo em que os business precisavam parar de pé e, por isso, focaram na parte prática e de curto prazo da digitalização. Mas é preciso aprofundar a discussão de como vemos o mercado de distribuição daqui a cinco anos, quais são as fortalezas a serem desenvolvidas. A partir da proposta de conectar o pequeno varejo, vejo que é o momento de pensar no futuro.”

Na sua opinião, duas habilidades terão de ser desenvolvidas muito fortemente nos próximos anos: a de execução nos pontos de vendas e a excelência no serviço e na entrega dos produtos reconhecida pelo pequeno varejo. Souto aponta ainda a importância do trabalho conjunto com o canal indireto, impulsionado nos últimos três anos, quando alcançava 370 mil pontos de vendas independentes e atualmente chega a 740 mil atendidos.

Alexandre Wiggers, presidente da Condor, participa do comitê há um ano e enxerga a importância de discutir e pensar no desafio de dar passos maiores na digitalização da cadeia e chegar ao pequeno varejo. Entende que esse caminho deve ser feito conjuntamente, tendo à frente a ABAD pilotando os trabalhos e dando voz aos setores envolvidos. “É essencial o papel da associação para que ocorra a organização. Reunir a indústria e o canal indireto, de forma estruturada e com profissionais especializados e consultoria apoiando e auxiliando com conhecimentos conceituais, é fundamental para a evolução e pensar em como conscientizar o pequeno varejo”.

Atualmente, metade das vendas da Condor é viabilizada pelo canal indireto. O empresário entende o valor da parceria para dinamizar os negócios e para estar mais próximo do varejo de vizinhança. Para ele, o canal indireto é a maior potência para alavancar a digitalização na ponta. “Por mais que a indústria busque a informação por outras fontes, quem tem a informação real, fiel e checada de como é o pequeno varejo é o setor. É ele que está na ponta atendendo, vendendo”, finaliza. 

UMA DÉCADA COM MATURIDADE

Em 1983, quando foi instalado pela ABAD, o Comitê do Canal Indireto tinha como primeira missão definir e categorizar os modelos de negócios. Eram os primeiros passos que serviriam para padronizar a operação do setor, avançar nas conversas com a indústria, identificando interesses comuns, até se chegar ao momento atual, em que ambos os lados pensam, conjuntamente, no futuro guiados pela digitalização.

Nelson Barrizzelli, um dos coordenadores do comitê, lembra que ele surgiu da necessidade de unir o setor atacadista e tornar mais transparente o trabalho das empresas do setor para os órgãos que intervêm com a entidade, como o governo, além da imprensa e da indústria.

“O objetivo era, primeiramente, trazer para dentro da ABAD, com o comitê, fornecedores de maior representatividade para o atacado, mas não havia nenhum impedimento para que fornecedores menores ou médios participassem das reuniões.”

Um outro ponto importante, nesse pontapé inicial, foi a tentativa para qualificar o que era um atacadista intermediário entre os fabricantes e os varejistas. “Nós tínhamos as mais diversas nomenclaturas, creio que algo em torno de nove, para indicar como era o atacado e como as empresas se organizaram. Foi um tema que exigiu bastante tempo de discussão”, lembrou.

O resultado final mostrou um desenho de setor que integra as modalidades identificadas e classificadas pela Associação em parceria com as consultorias Integration e Doctor Trade, como atacado generalista com entrega, distribuidor (com contratos firmados por marcas, empresas, localização geográfica ou categorizado – como os especializados em cosméticos), atacado de autosserviço e agentes de serviços.

O trabalho do comitê foi norteado por ciclos, quando se considerou inclusive o contexto de atuação, tendências e depois foi afunilando até chegar no digital. Segundo os organizadores, o comitê sempre buscou preservar a sua essência, de unir indústria e agentes do canal indireto para discutir temas relevantes ao setor.

Oscar Attisano, superintendente-executivo da ABAD, que participa do comitê desde a sua concepção, conta que, na verdade, o trabalho de buscar a definição dos modelos de negócios tem quase duas décadas. “Quando começou o comitê foi para entender quais eram os mais vigentes, eliminando e reduzindo outros não tão atuantes, como cerealistas. Atualmente, os modelos que mais prevalecem são o Distribuidor, o Atacado com Entrega, o de Autosserviço e os Agentes de Serviços, esse último formado por operadores logísticos e brokers, ambos remunerados por comissão pela indústria.”

O ingresso da Integration ao comitê, representado por Roger Saltiel, acrescenta, serviu para avaliar as informações do setor e apontar caminhos para a evolução, exemplificado pela criação da Mandala da Digitalização, apresentada na Convenção da ABAD, de 2022, que conecta os processos e destaca os ganhos obtidos com inteligência artificial a serviço das empresas.

“Com a proposta de estender a digitalização para o pequeno e médio varejo, creio que chamamos a atenção para a organização da cadeia. O comitê cumpriu seu papel e, agora, definidos os modelos de negócios e suas funções, vamos manter a observação no setor e de como pode se desenvolver, considerando que a ABAD tem uma melhor percepção do canal indireto”, ressaltou Attisano.

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