Conjuntura

Cenário exige cautela

Com a inflação oscilante, empresas devem manter as rédeas e avaliar a gestão do negócio com frequência e total atenção

Por Rúbia Evangelinellis

Diante de uma economia que patina, com oscilação da inflação, as empresas precisam redobrar a atenção no acompanhamento dos indicadores de negócio. Embora a torcida seja para que ocorra aumento da demanda, o que torna-se mais viável com os preços em queda ou estabilizados, especialistas recomendam total atenção à gestão, ao controle de estoque, principalmente se têm produtos adquiridos com valor mais alto ao praticado pelo mercado. E, na outra ponta, ressaltam a importância de manter a competitividade e a atenção no varejo e no termômetro de vendas.

Pedro Signorelli, especialista em gestão de negócios, ressalta a importância de as empresas adotarem cuidados para que possam, de certa forma, se blindar contra possíveis danos econômicos. Sugere cautela e a contínua atenção ao planejamento estratégico, metas e orçamento, que devem ser revistos a cada três meses, e identificação do foco prioritário no curto prazo. “A situação econômica remete a incertezas, que aumentam pela frequência das diversas variáveis e com maior velocidade. E, olhando para a forma como as empresas realizam a gestão dos negócios,percebo que as respostas estão muito lentas. É importante fazer os ajustes no sistema,tendo em vista um ano de rápidas mudanças, seja de inflação, emprego e outros indicadores.”

Pedro Signorelli, especialista em gestão de negócios

Para o especialista, a solução está no controle dos processos internos e no trabalho conjunto, com a liderança da empresa compartilhando para os demais colaboradores os sinais de mercado e informando os focos prioritários, baseados em um processo estruturado, para que o resultado seja alcançado em conjunto: “Se as vendas não vêm em razão do desemprego ou pela ausência da massa de rendimento, tem de melhorar os processos internos, controlar gastos com o sistema de gestão dando apoio e, ainda, tentar preservar a margem do negócio olhando para dentro da companhia. É importante considerar ainda a concorrência, inclusive de companhias que atuam com menor custo e são ágeis para conseguir ‘atacar’ o mercado”.

Impacto no estoque

Um ponto delicado para o canal indireto está em lidar com a deflação ou queda da inflação quando se contrapõe a um estoque adquirido por maior valor. Leonardo Miguel Severini, presidente da ABAD (Associação Brasileira de Atacadistas Distribuidores), reforça que a desaceleração deve ser bem “encarada” pelas empresas.“Se o empresário entender que o produto pelo qual pagou 100 reais é oferecido agora a 90 reais, em caso de deflação ou de estabilização, se ele agir rapidamente, por mais que tenha 10 reais de prejuízo na venda, terá a mesma capacidade de compra deste produto a 80 reais. Se conseguir entender essa questão, vai girar o estoque sem o sofrimento da perda pontual no resultado do mês. É importante assimilar rápido a perda para não correr o risco de estagnar”, alerta, lembrando que, na outra ponta, a queda do custo de vida aumenta a capacidade de compra do consumidor, o que é uma situação favorável para toda a cadeia produtiva.

Competitividade

Fabio Pina, economista da Fecomercio/SP, atenta para a maior competitividade existente no mercado, especialmente a partir do crescimento dos canais de compras digitais, impulsionada a partir da pandemia. E nesta realidade considera importante o atacado distribuidor oferecer atendimento diferenciado aos varejistas, mostrando caminhos para que possam atrair os clientes. “Os canais situados no meio da cadeia produtiva estão sofrendo mais também porque existem algumas ações diretas de vendas do produtor para o consumidor. Eu recomendo que invistam em serviços e no apoio aos pontos de vendas, com informações (para melhorar a performance),disponibilidade e velocidade no atendimento”, sugere.

O economista recomenda que as companhias orientem o varejo para que proporcionem experiências agradáveis aos consumidores. “Comprar pode ser atividade de lazer. O consumidor gosta da experiência de escolher no varejo, de procurar novidades, de ter opção de marca própria e outras para produtos que habitualmente prefere ver na loja física. É fundamental olhar para a conveniência como algo muito importante, conhecer o cliente do cliente, oferecer o que ele adquire pela internet. Esse conhecimento faz a diferença na decisão estratégica da empresa”.

Nuno Fouto, coordenador de pesquisas do Ibevar (Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo), observa que, com a “economia fria”, as companhias devem redobrar os cuidados, especialmente na composição do estoque e na aquisição de produtos que estão reduzindo os preços. “Tem de fazer ajuste fino, não pode errar muito no poder de demanda. A economia está desacelerada, embora eu acredito que deve melhorar um pouco o cenário até o fim do ano, com o aumento da massa de rendimento do trabalhador”.


Olhar atento

Com um crescimento de 27% no faturamento do ano passado, o grupo Pegoraro – Deycon, sediado em Santa Catarina, mantém um olhar atento na operação robusta. Além do estado de origem, cobre também Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso. Possui uma carteira de 70 mil clientes e portfólio de 7 mil itens, predominantemente de mercearia doce e seca.

Maycon Pegoraro,(na foto) diretor-comercial, avalia 2023 como um ano mais duro, quando comparado aos anteriores, que sopraram ventos favoráveis. “A partir da pandemia, tivemos um período de aquecimento não só para a empresa, mas também para concorrência e clientes, como observamos em conversas. Mas os primeiros sete meses deste ano apontam a mudança de rumo, destacando abril como o mês mais retraído para as vendas”, observa, ao justificar a piora do resultado com a cautela dos varejistas, que optaram pela adequação do estoque e pela atenção ao rumo da inflação e o impacto sobre os preços.

Segundo informou, na análise financeira o grupo até registra alta, mas, ao extrair o aumento de preços, o resultado empata ou fica negativo no acumulado do ano. “O crescimento orgânico e em volume aponta que estamos vendendo menos e o mesmo acontece com muitos dos varejistas que atendemos”, ressalta. A preocupação, acrescenta, está em saber quais fatores são determinantes para o consumidor, hoje mais seletivo e atento em relação aos preços praticados em diversos canais de vendas. “Precisamos entender o mix e o preço a serem oferecidos nos pontos de vendas, para sermos mais assertivos na promoção de produtos, no portfólio oferecido e no momento certo de entregar as ofertas e para cada região. É preciso ter cuidado com o promocional para não derrubar margens e preços.”

Na sua opinião, este segundo semestre será um período em que cada centavo fará a diferença, bem como cada consumo a mais ou menos que será contabilizado. “É um momento em que o bolso do consumidor vai determinar o ritmo de vendas.Precisamos ser mais analíticos em todos os sentidos”, acrescenta.


Pés no chão

A Rio Quality tem 97% da carteira de clientes nas mãos do food service, setor que sofreu na fase de isolamento social da pandemia e manteve as portas fechadas. Segundo Marcello Marinho, (na foto) gerente de planejamento da distribuidora, que tem no portfólio 2 mil itens de commodities em queda de preços, como óleo, que chegou a ser vendido por 10 reais e hoje é encontrado no varejo por 5 reais, mantém uma operação de acompanhamento de perto do mercado e dos números da empresa.Em outras palavras, a companhia analisa frequentemente o planejamento e metas, faz ajustes sempre que considera necessário e leva a sério a austeridade financeira, a governança corporativa e tem o comitê de crise instalado desde a pandemia.“

Trabalhamos com os pés no chão, com boa gestão de capital de giro e financiamento adequado para o modelo de negócios. Buscamos aumentar a eficiência operacional, fazer mais com menos, pensar que as margens estão caindo e é preciso equacionar os custos ou aumentar a produtividade.”

Na conta da companhia está compreendido que o momento pede cautela e fazer a compra com mais inteligência, parcimônia e girar o estoque mais rápido. São cuidados adotados que dão fôlego à distribuidora, que adota ainda a estratégia de ampliar a base de clientes para ao menos empatar com o resultado conquistado em 2022. “Já crescemos 17% de janeiro a julho, totalizando 13.500 clientes atendidos no mês.Trabalhamos o modelo comercial para aumentar a produtividade do vendedor, a área de cobertura. Com tudo isso que fizemos, entregamos um aumento de receita de 16%, ou seja, se mantivéssemos a mesma base de clientes estaríamos faturando igual ou menos do que no ano passado. É uma venda de margem mais apertada”, observa ao acrescentar que a previsão de aumento de consumo vem a médio prazo.

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