Gestão

A nova face dos líderes

Por Rúbia Evangelinellis

Qual o perfil dos executivos e gestores em evidência? São profissionais qualificados, informados e experientes, que sabem lidar com pessoas e respeitam diversidade, meio ambiente e ações sociais

Em um mundo em transformação, competitivo e desafiador, em que temas como diversidade,sustentabilidade, meio ambiente, governança corporativa e ações sociais ganham espaço nas na pauta das empresas, gestores e executivos precisam estar preparados tecnicamente, conhecer o mercado e afinados com os seus valores e cultura. Consultores avaliam, porém, a importância de observarem requisitos que vão além dos conhecimentos e buscarem profissionais adequados ao ambiente de trabalho.

Izabela Mioto, coordenadora do curso de pós-graduação em gestão de pessoas da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado) e professora mestre e idealizadora do curso de liderança de iImpacto, da Fundação Dom Cabral, destaca a mudança no perfil de liderança de maneira geral. O líder super-herói do passado, que tinha as respostas e sabia o que fazer, em um tempo de quantidade limitada de informações, deu lugar a um modelo facilitador, principalmente em empresas que atuam no abastecimento do varejo, setor que tem uma dinâmica ágil de operação e de pressão por resultados.

“Ele tem de ser um bom decodificador de pessoas, cenários, de informações, para construir boas decisões sustentáveis. As gerações estão mudando muito, questionam até por ter mais acesso às informações. É preciso ter a engenharia humana, para colocar a pessoa certa no lugar certo. O líder tem de dizer que não sabe, pedir ajuda. Eu diria que o seu maior poder é demonstrar a vulnerabilidade, que constrói mais confiança, aproxima as pessoas para que se engajem no que deve ser feito. É importante ter agilidade emocional para formar equipes no mais alto potencial que elas podem oferecer.”

A especialista entende que as empresas precisam acordar para essa realidade e oferecer um ambiente corporativo em que as pessoas se sintam mais tranquilas para lidar com a pressão, aprender e melhorar as suas formas para tornar “a roda cada vez mais leve” para não levar a exaustão. “É uma dinâmica que não é para qualquer profissional, exige um perfil específico de liderança. As novas gerações querem trabalhar em companhias que têm propósitos mais nobres em relação a como deve-se olhar para a ecologia, para a natureza, para ações sociais, que não querem trabalhar com líderes que também não aceitam a diversidade. E buscam um ambiente de nível de consciência mais elevado e provoque o engajamento”.

Outro ponto observado pela especialista é que as empresas têm diferentes culturas e necessitam ir além da avaliação técnica do profissional, selecionando o perfil adequado a sua realidade, ainda que não tenha todos os requisitos, e saber o que deve ser estimulado.

Embaixadores das marcas

Para André Benito, gerente sênior da Michael Page, consultoria de recursos humanos, recrutamento e seleção, sediada no Reino Unido e com atuação em diversos países, o varejo, as cadeias de abastecimento e indústrias têm dificuldade de selecionar, por si só, suas lideranças e recorrem à consultoria, pela necessidade de encontrar profissionais gabaritados. “Elas procuram pessoas que entendam de governança corporativa, que saibam estruturar o negócio e tenham um bom olhar de profissionalização, que vistam a camisa e sejam conhecedores do mercado. Costumo dizer que se estão na ponta, vendendo, atendendo o varejo ou o cliente final ou ocupam posição de liderança, trabalhando para adotar decisões estratégicas, têm de ser embaixadoras da marca.”

As companhias, acrescenta, querem profissionais conhecedores de clientes, do mercado e capazes de tomar decisões a partir de avaliação de dados, que entendam que todas as estratégias visam a um relacionamento com o consumidor final de curto, médio e longo prazo.“Os canais dentro da indústria e da cadeia são diversos, mas ao mesmo tempo existe um movimento de ominicanalidade que precisa fazer sentido e estar na pauta de todos os executivos”, reforça Benito.

A questão é que o nível de qualificação desejado restringe a busca a poucos candidatos. Mas é importante a área de recursos humanos considerar como selecionar um talento condizente com a realidade do ecossistema da companhia, alerta Benito. “Não adianta pensar em trazer um profissional requisitado se não existe ambiente ou recursos para desenvolver os projetos de maneira fluida”. Outro ponto importante, segundo Benito, está no fato de as companhias entenderem que os salários dos profissionais desejados para cadeiras especializadas são de valores mais elevados. Ressalta ainda que são candidatos questionadores que querem saber qual a visão da companhia e seu posicionamento sobre o mercado.

Glaucia Telles Benvegnú, diretora de relacionamento e marketing da Interhunter, consultoria especializada na seleção de profissionais das áreas comercial, de marketing e trade marketing, reforça que o canal indireto e o varejo pedem profissionais para a área comercial, com experiência na rotina de campo. “Observamos que com a pandemia houve a ruptura no relacionamento, uma vez que os atendimentos passaram a ser remotos. Passada essa fase, a reunião presencial com os clientes teve de ser resgatada por ser imprescindível e determinante. A ideia não é somente conseguir o pedido, mas levar lançamentos, ganhar posicionamento, negociar pontos de vendas e manter um relacionamento duradouro, conquistar o comprador oferecendo informações valiosas para ele”, destaca.

Joanna Soares da Rocha, diretora de operações, faz coro ao ressaltar o valor de um profissional com visão do negócio do cliente e de pensamento estratégico. “É necessário entender o que realmente o cliente precisa e como pode apoiá-lo”. Para isso, avaliam, é essencial que a empresa disponibilize ferramentas para municiar o seu representante, como o business intelligence (BI), que combina análise empresarial, dados compilados do cliente e práticas recomendadas pelas companhias.

Para os executivos, o grau de exigência é maior. “O líder de hoje foi um vendedor e tem  responsabilidade de comandar pessoas. Também deve estar preparado, ter conhecimentos, para performar o seu time”, acrescenta Joanna. Ela lembra que recentemente foi realizada uma seleção de CEO, com viés para a área comercial, que tivesse como requisito experiência na mesma função ou como diretor, o que prova que as companhias buscam lideranças com know-how e facilidade para lidar com pessoas, e demonstram resiliência e boa formação.

Pelo olhar das especialistas, a área comercial apresenta mais rotatividade profissional, até por abranger um time maior. “Enquanto no trade você tem um ou dois profissionais e no marketing encontra gerente ou analista, no comercial, campo mais desafiador, tem executivo, diretores, gerentes, supervisores e vendedores. É uma área de muitas posições e desafiadora”, diz Glaucia.

No tocante aos salários e cargos oferecidos estão associados ao porte da empresa solicitante, ou seja, quanto maior a companhia, mais chances são encontradas. Para exemplificar, calculam que um vendedor com relacionamento consolidado encontra salários iniciais fixos de 4 a 8 mil reais, atendendo contas de média e grande portes, e mais ganhos variáveis. Já a remuneração de líderes são negociáveis e variam do perfil solicitado e do tamanho da companhia.

Com a expertise de quem atende empresas interessadas em contratar, Glaucia assegura que o mercado carece de profissionais qualificados para atender a demanda. Mas assegura que é importante avaliar as seleções como via de mão dupla, com questionamentos feitos por ambas as partes, principalmente quando é exigido perfis de profissionais experientes e específicos.


Empreender e aprender

Tirso Mello, VP de vendas da Procter & Gamble

Quando se graduou no curso de administração, em 2005, Tirso Mello queria mesmo era empreender. Nem pensava em participar de programas de trainees. Mas os caminhos do mercado de trabalho o levaram a ingressar e desenvolver a carreira na indústria, principalmente na Procter & Gamble, onde começou como supervisor, ganhou experiência no atendimento ao atacado distribuidor, comandou o trade marketing e chegou à vice-presidência de vendas, posto assumido em maio de 2022.

Em 18 anos de mercado, cerca de 16 são destinados à P&G. Entre 2016 e 2018, atuou na Solar Coca-Cola, operação concentrada no Norte e Nordeste: “Sou um entusiasta do canal indireto. E esta experiência foi também de intenso aprendizado sobre o setor”.

Aos 41 anos, o executivo é do tipo que gosta de colher as informações em campo. Mantém a agenda reservada para viagens de terça a quinta-feira, com visitas a parceiros atacadistas, distribuidores e varejistas. Entre as virtudes essenciais de um líder, destaca a transparência, a franqueza e a curiosidade em aprender, ouvir a equipe e permanecer atento às transformações de um cenário dinâmico de negócios.


De aprendiz ao posto de CEO

Danielle Brasil de Souza, CEO da Riograndense Distribuidora

Danielle Brasil de Souza assumiu o posto de CEO da Riograndense Distribuidora em janeiro deste ano. É a sucessora do pai, Dorian Morais, que fundou a empresa há 32 anos e tem uma trajetória de estudo e vivência prática de 25 anos. Hoje com 43 anos, seguiu à risca a cartilha de aprendizado na companhia, passando por diversos setores. Ingressou na empresa aos 18 anos, quando estava no primeiro ano do curso de direito. A vivência deu a ela a certeza de que lá era seu lugar.

Buscou nos estudos aprimorar os conhecimentos. Fez pós-graduação em direito do trabalho, MBA em gestão empresarial e em gestão de projetos e participou do Programa de Formação de Dirigentes (Fundação Dom Cabral). Cresceu juntamente com a empresa, que tem cerca de mil funcionários e já superou a meta de alcançar o faturamento de 930 milhões de reais em 2023. O desafio agora é chegar a 1 bilhão de reais. “Considero muito importante ter me preparado tecnicamente e ter construído a carreira com o exercício prático, adaptando o conhecimento à realidade da empresa. Entendo que o bom líder precisa ser bem informado, conhecer o mercado e ter os valores alinhados aos da empresa.”


Poder feminino

Juliana Bonamim, VP de venda da Mondelez Brasil

Juliana Bonamin é a primeira mulher a assumir a vice-presidência de vendas da Mondelez Brasil. Chegou ao cargo em fevereiro deste ano. Possui experiência de 23 anos nas áreas de vendas, marketing e trade marketing. Natural de São José do Rio Preto, interior paulista, é graduada em administração e tem MBA em gestão de negócios.

“Assumir o posto é uma honra e um desafio, que está relacionado à representatividade e ao peso de ser mulher nessa posição, inspirando outras tantas mulheres. Dentro da empresa, já somos 52% em cargos de liderança, mas ainda há muito progresso a ser feito”.

Para ela, a liderança feminina lança nova luz na gestão das empresas e no mercado, colocando em pauta assuntos que antes não tinham tanta visibilidade dentro das companhias, como maternidade, jornada dupla e respeito. “Tudo isso influencia não só a rotina de trabalho e o desenvolvimento de políticas de recursos humanos, mas também a forma como enxergamos o mercado consumidor, construímos nossas campanhas de marketing e investimos no lançamento de novos produtos.”  Para Juliana,conseguir se adaptar ao ambiente digital, aos impactos na forma de consumo da população e à rápida evolução desses cenários são importantes na carreira de um bom profissional. ” Com certeza,  hoje a oferta em canais digitais influencia diretamente o varejo e tem reflexos imediatos em todas as outras áreas da companhia. Além disso, é essencial saber o que os consumidores e clientes querem. Portanto, viver o propósito da empresa é fundamental para disputar este mercado super competitivo”, destaca.


Superação e diversidade

Jorge Feliciano, gerente-executivo de gente e gestão do Grupo Martins

Jorge Feliciano é exemplo de superação. Negro, filho de doméstica, nascido em uma favela de Belo Horizonte/MG, passou boa parte da infância e a juventude em colégio interno. Mas o menino pobre soube, como ninguém, aproveitar as oportunidades. Ganhou experiência e

cresceu principalmente como funcionário de redes de varejo e graduou-se em administração. Há quatro anos ingressou no Grupo Martins, onde ocupa o cargo de gerente- executivo de gente e gestão.

A principal lição veio da progenitora, que, embora não soubesse ler e escrever, ensinou ao filho o valor de ser bem relacionado. “Minha mãe era maravilhosa. Mesmo analfabeta, sempre foi altamente relacional e me ensinou muitos valores, como de aprender e me mirar em bons modelos. E não esquecer das pessoas que foram e são importantes na minha vida”. Aos 59 anos, o executivo entende que o líder precisa estar a par da tecnologia e ter “uma capacidade gigantesca” de se inteirar com as gerações que estão chegando, de característica digital. “Também é importante ter forte capacidade relacional, ter a mente aberta para aprender, saber lidar com a diversidade.”


Desafio do comando

Luciana Dal Berto, presidente da Disdal Distribuidora

A vida de Luciana Dal Berto mudou completamente do dia para a noite. A morte precoce do marido Clair Dal Berto, em abril do ano passado, presidente da Disdal Distribuidora, fez com que assumisse o comando da empresa, deixando o posto de diretora-financeira.

A rotina de trabalho deixou de ser apenas interna, de lidar com colaboradores, e de áreas como contabilidade, logística e tecnologia da informação. Exigiu uma rápida adaptação a um mundo “masculino”, o comercial. “Com a mudança, passei a viajar muito, participar de eventos e feiras. E a conviver com mais homens do que com mulheres. Mas sempre fui bem recebida e respeitada.”

Embora tenha contado com a solidariedade do mercado, a empresária conta que tem, sim, de dar conta de metas, desafios de tocar um negócio com atuação em Rondônia, Acre, Goiás e no Distrito Federal, com 20 mil clientes ativos, portfólio de 3 mil itens e faturamento de 751 milhões de reais declarados em 2022.

Luciana tem 47 anos, é paranaense, formada em direito e começou a trabalhar cedo, aos 15 anos, como caixa no mercado do sogro. Seis meses depois, passou a trabalhar no atacado, juntamente com o marido, e não parou mais. Em 2006, nasceu a Disdal Distribuidora, no Distrito Federal. Na sua opinião, a boa liderança precisa ter os mesmos propósitos e valores da empresa e saber interagir com as diferentes gerações.

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