Varejo e indústria tentam ‘escapar’ da inflação

O avanço da inflação reduziu os volumes vendidos no varejo nos últimos meses, obrigando as lojas a lançarem táticas – algumas inéditas em seus próprios negócios – para tentar reverter essa curva descendente. Quando a quantidade vendida perde vigor, o ganho na receita acaba vindo basicamente do reajuste de preços, o que “mina” os ganhos de escala das redes.

Indústrias e varejistas montam novas ações que vão de negociações para mais mudanças no tamanho de embalagens, venda a prazo de produtos nunca antes parcelados e volta de promoções que tinham sumido das lojas até metade deste ano. Cupons de descontos dados em lojas, para incentivar a venda on-line, voltaram a ser emitidos desde setembro.

Além disso, mais que dobrou a quantidade de marcas regionais, mais baratas, nas prateleiras de quatro meses para cá. No café, passou de quatro para até 10 marcas, com variação de 70% nos preços, diz a Abras, associação dos supermercados. No arroz, foi de quatro para até nove, em média. Macarrão e feijão também foram afetados.

Isso mexe com contratos e obriga as lojas a reorganizarem seus espaços nas gôndolas, já negociados com marcas líderes, para acomodar as linhas mais baratas.

Também entre os fornecedores, desde a metade do ano aumentaram as iniciativas de criação de plataformas de venda direta ao consumidor – que eliminam intermediários, o que ajuda a reduzir os preços na ponta. Na avaliação de Manoel de Araújo, sócio diretor da consultoria Martinez de Araújo, “o varejo brasileiro está voltando à normalidade”, diz ele.

“Aquilo que vimos em 2020 e parte de 2021, com superestocagem de produtos nas casas, preços subindo e demanda alta, foi um desequilíbrio da cadeia por causa da pandemia. Voltamos à normalidade, não em termos de preços, porque ainda estão elevados. Mas no retorno de um ambiente mais competitivo entre as redes, mais promocional, e da necessidade de elas reagirem à queda de volume sendo mais eficientes”, completa.

A desaceleração no volume, nos últimos meses, ocorreu em alimentos e eletrônicos, e reflete a queda do poder de compra da população. A massa salarial, que inclui benefícios, deve cair 6% em 2021, segundo cálculos de bancos.

Com 110 lojas, a rede de supermercados Hirota decidiu, pela primeira vez, parcelar compras em até três vezes sem juros neste Natal, e pode voltar com isso na Páscoa e no Dia das Mães. “Também estamos dando frete grátis no on-line e o preço no aplicativo está 10% menor neste fim de ano. A diferença antes não chegava nisso. Trocamos de agência [de publicidade] em novembro porque decidimos que vamos mais que dobrar a verba de mídia e ter uma exposição mais forte da marca para atrair tráfego maior”, disse o diretor Hélio Freddi.

“Em novembro tivemos o volume de venda mais baixo do ano. Nosso tíquete médio, nos últimos três meses, caiu de R$ 85 para R$ 67”, disse. “Estamos buscando alternativas, discutindo formas novas de vender para a classe C porque esperamos um aumento no empobrecimento da população no ano que vem. Nossas projeções são de um 2022 difícil, mesmo que a inflação recue”.

Em períodos de crise, as práticas comuns são os “combos” com ofertas (pague um e leve o segundo com desconto) e o incentivo à venda de itens de marca própria. Mas, hoje, há várias medidas sendo tomadas ao mesmo tempo.

A rede de atacarejo Assaí vem discutindo com a indústria a readequação do tamanho de embalagens de certos produtos “de forma a manter o poder de compra do cliente”, disse em nota ao Valor. “Na maioria das vezes, isso implica em reduzi-las para se manter os preços finais”. A indústria já diminuiu suas embalagens na última recessão, em 2015, mas isso precisa ocorrer com aviso visível da diminuição das mercadorias, já que o cliente paga o mesmo, mas leva menos produto para casa.

A atacadista ainda decidiu, nos últimos meses, reforçar as compras de itens de primeiro preço (15% a 20% abaixo de marcas tradicionais), principalmente em mercearia e em limpeza, “respeitando uma tendência iniciada pelo próprio consumidor em procurar itens mais baratos dessas categorias”. De julho a setembro, a venda no Assaí subiu 17,5%, incluindo a inflação alimentar (de 14,7% até setembro). Ou seja, a alta real é de um dígito baixo. Em “mesmas lojas” (com mais de um ano) houve uma pequena retração em volume, disse o comando em novembro.

O Atacadão, do grupo Carrefour, já percebeu, no terceiro trimestre, que os reajustes chegaram num ponto que afetaram a demanda, especialmente dos produtos básicos, levando a um aumento de ofertas em certas lojas. “A elasticidade dos consumidores ao preço diminuiu […], ao mesmo tempo em que nossas iniciativas promocionais se tornaram mais concentradas nas lojas novas”, disse, em novembro, em relatório de vendas trimestral. Anos atrás, o atacarejo evitava promoções, pelo foco em preços mais estáveis o ano todo.

O Atacadão ainda vem aumentando as compras por oportunidade, em grandes volumes, frente a perspectiva de reajustes futuros. “A elevada inflação continuou fazendo com que essa capacidade [de criar estoques por oportunidade] se tornasse ainda mais relevante”, disse em seu relatório trimestral, em novembro. De julho a setembro, as vendas líquidas da cadeia cresceram 14,4%, abaixo da inflação de 12 meses (14,7%).

Outros caminhos tomados no segundo semestre foram a volta do cupom de descontos nos hipermercados do Carrefour, que haviam sumido das lojas em 2020 porque a rede não precisava, na época, incentivar a compra. Outra iniciativa trata da volta da política de congelamento de preços de itens de marca própria da rede. Isso ocorreu de abril a julho de 2020. Mas a empresa voltou com a medida no mês passado, por dois meses. O grupo estuda a possibilidade de prorrogação da ação para 2022.

Na indústria, há empresas buscando acordos que reduzam a presença de intermediários na venda, o que pode contribuir para um repasse desse ganho ao preço. A Infracommerce, que oferece serviços como logística, armazenagem e distribuição para comércio on-line, fechou 86 contratos com empresas, nos últimos seis meses, para administrar a venda direta. A empresa não informa nomes dos clientes.

Como a Infracommerce, com 13 centros de distribuição, faz a gestão de entregas, isso reduz a necessidade de as indústrias usarem distribuidores regionais. “A indústria não tem controle sobre o preço de seus produtos quando vende a um terceiro. Ao vender diretamente, ela passa a ter esse controle e decidir se repassa o ganho de uma cadeia mais enxuta ao cliente ou se amplia a sua margem. Como a competição com as marcas próprias cresceu muito após a alta da inflação, percebemos que os clientes vêm adotando a estratégia de serem mais combativos em preços”, diz Fábio Fialho, vice-presidente de marketing e vendas.

Fonte: Valor Econômico

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