Paulo Goelzer aponta os 4 princípios do novo Trade Marketing

Por Paulo Goelzer, presidente do IGA (EUA) e consultor internacional de varejo

A nossa tradicional maneira de pensar sobre a experiência do varejo ainda é muito influenciada por aspectos racionais, como preço, variedade, qualidade do produto, serviço, promoção e localização. Embora esses aspectos “funcionais” continuem a ser importantes para uma compra bem-sucedida, uma experiência extraordinária tem outra ordem de complexidade, que pode ser proporcionada pela inclusão de elementos sociais, atmosféricos, físicos e tecnológicos.

A nova realidade do consumidor exige que todos agentes do canal passem a pensar no design de uma experiência completa, em vez de se restringir ao produto.  Alguns varejistas estão dando até mesmo um passo extra, incorporando elementos menos físicos e mais psicológicos, educacionais, emocionais e visuais para criar uma experiência extraordinária na jornada de compra.

Considere, por exemplo, a rede Starbucks, que usa o conceito de 'terceiro lugar' para oferecer ao cliente uma experiência que vai muito além do consumo do produto. A Starbucks reconheceu que os clientes poderiam tornar o terceiro espaço, depois da casa e do local de trabalho, o mais importante, capaz de proporcionar um benefício conjugado aos dois primeiros espaços. Eles oferecem uma comunidade, um atendimento diferenciado, suporte, expertise, status e aconchego, o que é muito mais do que apenas café. A rede expandiu a experiência da categoria café e, por esse motivo, alguns concorrentes têm dificuldade para vender café por um dólar, enquanto clientes do Starbucks aguardam pacientemente na fila para pagar quatro dólares pelo seu latte.

À medida que mudanças dramáticas de consumo se desdobram em todo o canal varejista, as abordagens tradicionais do trade marketing sofrem profundas influências. Neste cenário, fornecedores e varejos necessitam alinhar-se para servir a um consumidor em comum de maneira mais eficaz. Para refletir as novas realidades do consumidor e os novos formatos no varejo, é preciso recorrera todo um arsenal a fim de ampliar ou de reduzir o produto de maneira diferenciada, promovendo a evolução das práticas de trade marketing.

O trade marketing, que alavanca a dinâmica do novo mercado omnichannel, precisará investir na construção de capacidades para suportar varejos que ofereçam um diferencial no seu segmento. Isto significa, por exemplo, passar da clássica abordagem dos “quatro Pês': Produto, Praça, Preço e Promoção, para uma nova abordagem. Acredito que, no ambiente dinâmico de hoje, é recomendável repensar o tão utilizado composto de marketing (os 4Ps) que pode gerar novos insights para estratégias de trade marketing.  Recordo das aulas do Philip Kotler, na Northwestem, quando ele explicava brilhantemente o composto de marketing articulado por Jerome McCarthy em 1960. Creio que, depois de 57 anos, um novo enfoque no marketing mix pode nos ajudar a ver o mercado de maneira diferente e, em consequência, ampliar nossos parâmetros decisórios e nossos instrumentos gerenciais.  Ao longo dos anos, vários acadêmicos e práticos de todo o mundo ofereceram novas alternativas para o tradicional composto de marketing, entre elas os 4Es propostos por Christopher Graves, da Ogilvy, têm minha preferência, por enquanto.  

Experiência: Explorar e mapear a experiência de compra da sua marca/produto tem importância vital. A jornada do consumidor começa muito antes e termina muito depois de o produto ser colocado no carrinho de compras. Estamos na era do consumidor, quando a importância da sua marca está sendo “forçada” a se alinhar com o estilo de vida do seu consumidor. Atualmente, o mercado utiliza termos/conceitos como: curadoria, personalização, engajamento, engajamento digital, autenticidade, expertise, serviço, conexão emocional, responsabilidade social, sustentabilidade, pré e pós compra, vitrine digital e touchpoints. Conceitos como design-thinking, que envolvem uma empatia profunda com o consumidor, podem esclarecer problemas históricos e propor novas características e/ou aspectos intangíveis, emocionais, recreacionais e educacionais. A experiência ampliada requer promover o empenho do funcionário para formar uma cultura no varejo capaz de fidelizar o cliente. A todo esse contexto pode-se adicionar inúmeras variáveis macro e novas abordagens resultantes do capitalismo consciente, por exemplo, criar apelos sociais  e novas formas de empenho . Veja os casos da Warby Parker, que doa óculos, ou da TOMS, que doa um sapato para cada unidade vendida, ou os Big Data e a explosão de dados impulsionados por grande número de inovações, como aplicativos, dados sociais e a chamado internet of things, que fornecem uma multidão de possibilidades analíticas para entender processos cíclicos e padrões de consumo. Enfim, a integração de todos esses insights pode oferecer novas formas de relacionamento e de experiência.

Everyplace (onipresença): O conceito clássico de ponto/distribuição como um local físico de troca continua importante. Entretanto, novas dimensões devem ser incorporadas a ele. Atualmente, há toda uma variedade de ferramentas que podem interceptar o consumidor, fazer contato com ele e disponibilizar a oferta no momento que ele está mais receptivo, em vez de interrompê-lo em suas atividades dentro da loja. O processo de compra pode ocorrer em muitos lugares, além das gôndolas e dos expositores de um ponto de venda. Os hábitos de consumo estão sendo muito influenciados pelos novos formatos e pelo ambiente digital. A oferta ampliada de produtos, os corredores de grande extensão, os sites transacionais, as vitrines digitais, a oportunidade de entrega a domicílio, a coleta na loja são alguns exemplos. Os novos hábitos também afetam as alternativas para processar um pedido on-line, como: seleção e picking na loja, minidepósito e centro de distribuição, além dos novos intermediários que podem facilitar a last mile.

A revolução digital continua ofuscando ainda mais a antiga maneira de ver um canal. O clássico canal alimentar (mercearia) era o supermercado. Hoje, clubes, atacarejos, lojas de sortimento limitado, lojas on-line, lojas de conveniência, refeições por assinatura, etc. compõem toda uma gama de alternativas. Vejamos como uma compra recente pode ilustrar esse fato. Por exemplo, o clube de compras Costco, que abocanhou grande share do supermercado, me possibilitou comparar torneiras pelo aplicativo. As torneiras marca Hansgrohe para banheiros não estavam na loja física, mas faziam parte do sortimento disponível. Depois de comprá-las pelo aplicativo, eu as recebi em três dias e notei que foi um drop shipment da Hansgrohe, entregue por uma empresa logística. Em uma autorreflexão sobre os principais fatores que influenciaram o meu novo hábito de consumo, listei confiança na Costco, bom site transacional, excelente vitrine digital, reputação da marca alemã de torneira, comodidade e preço. A compra desse produto “alternativo” na Costco não teria ocorrido se meu significado de “conveniência” não tivesse evoluído. Inicialmente, conveniência significava principalmente proximidade. Posteriormente, adicionei o fator velocidade, e hoje o fator acessibilidade. O conjunto de fatores que foram ocasionados, ou motivados, em grande parte, pela revolução digital, levou à compra de torneiras em um canal predominantemente alimentar. Em outras palavras, o setor de material de construção e ferragens tem um “novo” competidor.

Adicionalmente, a ideia do “ponto”, sob o aspecto funcional, assume, na maioria das vezes, que o “ambiente” é inconsequente no que se refere ao estilo de vida e à experiência do consumidor.  Entender a experiência na ocasião de compra é fundamental para certas categorias. Por exemplo, o contexto da compra na categoria vinho ilustra a importância da educação, da expertise e da linguagem do meio/vendedor sobre a ocasião de consumo.  

Evangelismo (inspiração): A ideia de passar de promoção para “evangelismo” está ligada ao fato de que a experiência da marca é muito mais significativa  do que algumas características do produto. O argumento está ligado ao fenômeno de que, após uma fragmentação da mídia, é preciso de algo que inspire o consumidor e os funcionários. Nesse sentido, o lado da paixão e das emoções é importante. Os sites de mídia social, como Facebook, Twitter, Instagram e Pinterest, estão criando comunidades de indivíduos animados por pensamentos e causas semelhantes, e nos quais os sentimentos das pessoas também se harmonizam . Conversas em torno de experiências, conteúdos interativos, informações via vídeo (mobile video), inteligência artificial, machine learning (aprendizado automático) e abundância de informações são temas que estão no cotidiano dos inovadores. Nós saímos do mundo local e off-line para um mundo on-line em atividade 24 horas por dia e sete dias por semana em âmbito global.

Exchange: A variável “preço” sempre inclui a questão do custo. Isso não vai mudar! Entretanto, as tecnologias digitais de hoje criaram uma grande transparência para o preço praticado no mercado, a qual fica evidente no fato de que tornou muito fácil comparar. Alguns especialistas acreditam que estamos na era da precificação dinâmica, na qual empresas estão combinando sofisticados esquemas de preço com microssegmentação e um profiling que inclui o comportamento. A questão da exchange (troca) também considera a precificação por valor e o tipo de intercâmbio que está ocorrendo, e onde a personalização com preços invisíveis pode ocorrer. Além disso, os serviços por assinatura, os esquemas de fidelidade e a influência do omnichannel influenciam novas estratégias de precificação.

O pensamento por trás dos 4Es sugere que esse composto inclui ingredientes novos para que uma equipe bem-sucedida de trade marketing melhore o desempenho do  seu papel estratégico e alinhe possíveis discrepâncias com outros departamentos. Ao assumir as rédeas da estratégia comercial, a equipe de trade marketing também assume a responsabilidade por uma multiplicidade de etapas e ingredientes, desde a concepção de um produto ampliado até a “ultima milha”. Os insights e a administração de cada um desses elementos dos 4Es requerem dedicação por parte da equipe de trade marketing para que o conjunto produza resultados eficientes .

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