O psiquiatra, psicoterapeuta e escritor Flávio Gikovate morreu aos 73 anos em São Paulo nesta quinta-feira (13). Ele estava internado no Hospital Albert Einstein, na Zona Sul da capital, para tratar de um câncer descoberto em março. A informação foi confirmada pela assessoria de imprensa do centro médico. Formado pela USP em 1966, Gikovate foi um dos pioneiros nos estudos sobre o sexo, amor e vida conjugal no Brasil. Ao todo, ele publicou 34 livros sobre sexo, drogas, educação, entre outros temas.
A seguir, relembre entrevista exclusiva com o especialista, publicada na Revista Distribuição, ed. 256
Com seu amplo conhecimento sobre o comportamento humano e seu aguçado poder de observação, adquiridos ao longo de mais de cinco décadas de estudos e experiências clínicas, o psicanalista Flávio Gikovate, de 71 anos, descreve de maneira instigante os aspectos positivos do consumo no Brasil, ao mesmo tempo em que se mostra visivelmente preocupado com o estado de angústia provocado pelo consumismo, principalmente por parte da elite extravagante e exibicionista.
Gikovate sabe que o reconhecimento que nos leva a comemorar os avanços da nova classe média, com a melhora geral do padrão de consumo, não pode, por outro lado, fechar os nossos olhos à necessidade de fazermos duras críticas aos males do consumismo.
Quanto ao mais, Flávio também acredita que há uma perspectiva de esperança despontando no horizonte ao dizer que, daqui para frente, a camada popular terá como prioridade buscar cultura, informação, atividades físicas e instrução escolar.
Adepto da terapia breve, com duração de seis meses, o médico psiquiatra destaca, porém, que o Brasil está longe de alcançar em curto ou médio prazo uma relação de consumo equiparável à que existe entre os ricos e a classe média dos EUA e dos países da Europa, onde ambas as classes socioeconômicas se aproximam no uso habitual que fazem dos transportes públicos, das caminhadas a pé, do uso do mesmo tipo de sapatos confortáveis e da rotina de tomar café na rede Starbucks.
Rubia Evangelinellis: O brasileiro é consumista?
Flávio Gikovate É difícil generalizar. Mas há uma classe alta que consome de maneira exagerada, exibicionista e extravagante, de uma forma que não é usual nas classes mais ricas da Europa e dos EUA. Talvez exista algo parecido em países árabes. É um consumo de luxo que tem a ver com insatisfação, desespero e frustração. Em contrapartida, a nova classe média, chamada de C, está usufruindo da oportunidade de comprar bens de melhor qualidade, o que é ótimo. São pessoas que consomem o que já compravam, mas se preocupam mais com os atributos dos produtos, com o requinte e com a delicadeza. A gente vê isso em todo lugar do mundo. Por exemplo, os fast foods no exterior oferecem mais comida saudável.
RB: A democratização do consumo pode reduzir a infelicidade provocada pelo consumismo?
FG: Espero que a democratização dê sentido ao consumo, agregue qualidade aos produtos e derrube a compra de competição ou de exibição como remédio ilusório para a frustração. A aquisição de produtos melhores e úteis, sem preocupação com imagem e disputa, como alimentos saudáveis, vestuário e produtos de higiene de boa qualidade, provavelmente tem a finalidade de permitir que a pessoa usufrua de coisas que dão felicidade.
RE: O empresariado está preparado para reconhecer essa mudança de mentalidade?
FG: Vejo alguns sinais, mas acho que é preciso mudar a mensagem da publicidade. Ela pode interferir positiva ou negativamente na maneira como as pessoas consomem. Há campanhas de cerveja envolvendo mulheres lindas, que criam uma atmosfera de erotismo, de elogio à beleza, à perfeição física, até mesmo dos homens, mas isso não corresponde aos fatos. É preciso pensar em personagens realistas. Isso pode modificar o perfil do consumo e, com isso, o público entenderá que o produto precisa atender ao seu benefício íntimo e que não deve ser usado para exibir, chamar a atenção ou obter favores eróticos. A vaidade e o erótico geram muita competição, rivalidade e tensão.
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