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Somar para avançar

Operação de distribuição e atacado com entrega ganham cada vez mais projeção pela proximidade com o varejo e oferta de serviços. Indústria elogia parceria

Por Rúbia Evangelinellis

Donas de know-how em logística invejável e com o mapa da região desenhado na palma da mão, empresas que atuam com distribuição e atacado com entrega fortalecem a posição de atendimento ao varejo, principalmente de pequeno e médio portes. Para a indústria, sem braço para atender ao varejo de ponta a ponta, a parceria cai como uma luva e é essencial para levar produtos, marcas e serviços a um número maior de localidades.

Mas a questão para esses agentes de distribuição é saber como equalizar interesses, viabilizar boas parcerias e entender qual caminho e cuidados devem ser tomados para manter o domínio da área que atuam, estarem antenados às tendências em um mundo cada vez mais tecnológico e de multicanalidade em que a oferta de serviços é palavra de ordem.
Para que se possa entender o atual contexto, em que se ganha importância essa operação e a prestação de serviços, Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Logística da Fundação Dom Cabral, considera importante ter em mente três pilares: a interiorização da demanda no Brasil – ocorrida fortemente a partir dos anos 1980; a acelerada e grandiosa urbanização do país, com mais gente vivendo nas cidades; e a multiplicidade de canais de vendas.

PAULO RESENDE, coordenador de núcleo na Fundação Dom Cabral

Tivemos em 40 anos o maior movimento de ocupação territorial que o mundo conheceu em tão pouco tempo.

“E neste contexto se observa a demanda brasileira por tudo (serviços e produtos). Um caminhão de distribuição de alimentos e bebidas rodava, na média, 400 km há cerca de 20 anos. Hoje, percorre 880 km”. Resende alerta ainda que o Brasil vai se transformar no país mais urbanizado do mundo, com 80% da população vivendo nas cidades em 2030. “Novos canais de distribuição precisam ser pensados para atender a essa demanda. Nessa dianteira está o comércio eletrônico.” Em relação à multiplicidade de canais, alerta que a cadeia produtiva – indústria, distribuidores, atacadistas e o próprio varejo – precisa encarar as dificuldades de características logísticas, de processamento dos pedidos e de oferta de itens para desenvolver um processo de controle e de gestão, considerando os parâmetros citados.


ABAD AMPLIA AÇÕES PARA AGENTES DE DISTRIBUIÇÃO

A ABAD vai lançar um bureau premium de serviços aos agentes de distribuição regionais estruturados para que possam incrementar o apoio ao pequeno e médio varejo. “Queremos ajudar a construir boas alianças, manter o equilíbrio da cadeia de abastecimento e ainda melhorar o atendimento, a capacitação e a modernização do varejo independente”, explica Oscar Attisano, superintendente- executivo da entidade. A proposta é instrumentalizar, juntamente com a indústria, o atacado distribuidor regional em diversas áreas, como de logística, trade marketing, governança, políticas de recursos humanos, digitalização, market place e execução de PDVs. “Estamos em busca de parcerias para consultoria em RH, trade market e treinamento de vendas, por exemplo. O bureau está sendo construído e deve realizar o primeiro roadshow regional a partir de 2025”, prevê.


PENSAR A SOLUÇÃO “O problema do multinacanal está em trabalhar os da- dos com capacidade computacional e de modelagem imensa e aí surgem alguns desafios, como ter o perfil do profissional que vai fazer isso, manter o in- vestimento em tecnologias e inovações disruptivas e adotar a gestão e estratégias dos processos para que a distribuição seja centrada no cliente”. Para o especialista, a indústria e os parceiros têm de entender a potência da prestação de serviços ou da “servitização”. “É um processo que significa a necessidade de pensar produtos associados a serviços, de saber o que é valor aos clientes. É consequência de um processo mundial de centralidade no cliente. Temos uma oferta de 250 milhões de aplicativos que ajudam as pessoas a tomarem decisões de compras a qualquer momento e onde estiverem. Cabe às empresas pensar em solução avaliando as características logísticas de entrega do produto, na embalagem, informação no rótulo etc.” E neste contexto ganham importância as parcerias regionais.
Entrevistas realizadas com indústrias que atuam com o canal indireto, com alianças já fortalecidas ou em busca de novas parcerias para potencializar os negócios, mostram a atenção à prestação de serviços ao varejo e o quanto importante é ter a entrega e o apoio aos estabelecimentos comerciais tendo na linha de frente as empresas do setor.


RESILIÊNCIA PARA CRESCER

A Ludovico Tozzo Distribuidora (SC) teve atitude corajosa para virar o jogo. Enxugou drasticamente a carteira de fornecedores, refez as contas, ajustou a área comercial, o portfólio e amargou perdas para
adotar um modelo de negócios fortalecido de atendimento ao varejo. Feita a lição de casa, atua com um mix de 3 mil produtos, 12 fornecedores e alcança 10 mil clientes. “Nosso histórico de distribuição é de aprendizado. Com as exigências e o apoio da indústria, desenvolvemos e evoluímos a operação. Sentimos que algumas são leais e focadas no modelo de distribuição e outras ainda oscilam ou engatinham”, avalia Celso Tozzo (na foto), diretor de operações, que prevê crescimento de 20% em 2024.


P&G: MODELO HÍBRIDO A P&G atua com diferentes perfis de empresas do setor. Adota o modelo identificado como híbrido, envolvendo o atacado (especializado ou não), distribuidor e atacarejo.

“São operações complementares de distribuição que atendem e nos mantêm mais próximos dos pequenos pontos de vendas”, explica Tirso Mello, vice-presidente de vendas da P&G Brasil. Ressalta, porém, que a companhia adota uma operação forte e próxima dos distribuidores, embora registre também excelente resultado com o atacado, principalmente para aquele que procura ir além de oferecer commodities aos estabelecimentos e investe na prestação de serviços. “O papel do atacado distribuidor é fundamental para termos, de maneira correta, nossas marcas no maior número de pontos de vendas.”
O executivo conta que a empresa estuda formas de melhorar a execução nas lojas. “Outro dia estava no interior de Pernambuco e o dono de uma loja, recém-aberta, pediu ajuda para organizar a gôndola de amaciantes, por desconhecimento. Ali disparou um gatilho e percebemos a carência de informações que tem o pequeno varejo. Começamos então um trabalho forte junto aos vendedores do distribuidor e do atacado de desenvolvimento de categorias do pequeno varejo.”
O canal indireto representa pouco mais de 1/3 das vendas da P&G, sendo o distribuidor com participação mais relevante, atendendo inclusive lojas grandes em algumas regiões e farmácias.


100% DISTRIBUIDOR

O grupo Pegoraro – Deycon (SC) celebra 47 anos dedicados à distribuição pura. “Somos prestadores de serviços aos varejistas, vamos além de vender grandes marcas. Têm fornecedores conosco desde o início, como Mondelez (antiga Lacta), e Nissin, há quatro décadas. Juntos, crescemos e vencemos adversidades”, diz Maycon Pegoraro (na foto), diretor-comercial. O segredo para manter uma operação longeva e bem-sucedida é atender toda a cadeia produtiva. “Nunca pensamos em transferir estoque ou somente vender. Sempre nos preocupamos com a saudabilidade do caixa do varejo, com o price point, merchandising. Temos um pacto para dar visibilidade e alcançar o consumidor final”. A empresa possui 70 mil clientes, 21 fornecedores e portfólio de 5 mil itens. Cobre quatro estados (SC, RS, MT e PR). A meta é crescer 14,5% neste ano.


CARGILL: VALOR DO CANAL INDIRETO Alexandre Trajano, head trade marketing & merchandising da Cargill, não mede as palavras para destacar o valor do canal indireto.

Representa uma rota de excelência para alcançar o varejo e food service em todo Brasil. Por meio dele, oferecemos um portfólio completo de soluções para o consumidor final e para os transformadores.

Especificamente em relação ao atacado e ao distribuidor, ressalta o valor de ser uma operação de entrega, sendo dois canais de vendas de grande importância para o modelo de negócios desenvolvido pela companhia. “Além de abastecerem com qualidade locais que não conseguimos atender diretamente, fornecem diversos serviços, como entrega rápida, crédito e promoções.” Trajano observa ainda que os serviços levados pelo setor são fundamentais para manter o abastecimento o tempo todo, garantindo a reposição rápida e assertiva ao perfil dos clientes. Questionado sobre o desafio de manter parcerias com diferentes modelos de negócios do setor, conta que o foco da companhia está na construção de parcerias para a geração de valor para toda a cadeia. “Isso inclui os parceiros distribuidores e atacadistas, as operações de varejo e de food service.”

CLESS: PEÇA-CHAVE Com um portfólio de 110 itens, distribuídos em seis marcas e nove categorias, a Cless Cosméticos tem o setor como peça-chave para alcançar as gôndolas, uma vez que representa 55% das vendas contabilizadas.

ÉLUIZ PICCOLI, CEO da Cless Cosméticos

“É um canal essencial para atingir a capilaridade nos médios e pequenos varejos do Brasil, levando os produtos com excelente custo-benefício”, resume Luiz Piccoli, CEO e fundador da indústria.

Para o empresário, isso vale especialmente para parceiros do atacado distribuidor com entrega, que garantem atendimento de qualidade, com rapidez e a um custo viável aos pontos de vendas de pequeno e médio portes, contemplando desde produtos de maior valor agregado até os de menor preço (de giro rápido). “É uma operação que possibilita uma reposição adequada, sem gerar rupturas, de produtos da curva A em detrimento de um giro mais lento dos itens da curva C.”

Mas para viabilizar boas alianças, sem criar atrito entre os modelos de negócios, a indústria adota a estratégia de definir, com clareza, o propósito de cada parceria. Para o atacado, o foco é reposição rápida de itens da curva A, enquanto que ao distribuidor cabe auxiliar a indústria na distribuição do mix e do serviço dirigido ao pequeno varejo. “Uma política bem feita e com ações claras ajudam a dirimir conflitos”, resume.


INOVAÇÃO MINEIRA

A Decminas adota a distribuição semiexclusiva, operando com atacado com entrega. Sediada em Minas Gerais, atende também o varejo na Bahia. Além de vender alimentos, bebidas, produtos de limpeza, higiene e cosméticos, abriu, há 13 meses, a franquia de vendas de lubrificantes para postos de combustíveis, lojas e oficinas do setor automotivo.
“Temos as ferramentas de execução para o varejo, do pequeno e tradicional e com mais de nove checkouts, com o atacado sendo complementar. Somos a extensão da indústria, fazemos o trabalho de merchandising, o abastecimento e a venda, a categorização do PDV. A nossa ambição é ter o qualitativo das indústrias que somos distribuidores”, conta o diretor Nildo Souza (na foto). A empresa comemora 1 bilhão de faturamento com 30 mil PDVs atendidos em Minas Gerais e 10 mil na Bahia.


VIGOR: ALIANÇAS COMERCIAIS Roberto Souto (ex-diretor do canal indireto da Mondelez) assumiu em março a diretoria de vendas, trade marketing e de go-to-market (definição de estratégia de lançamento, posicionamento e distribuição de produtos no mercado) da Vigor Alimentos. Entre os desafios está expandir a cobertura do varejo e ampliar o leque de parcerias no canal indireto. “A empresa vem uma operação verticalizada e tem 15 mil pontos de vendas atendidos diretamente. Queremos alcançar mais PDVs em todas as regiões do Brasil, do Nordeste, Norte e Centro-Oeste e até em estados do Sudeste, como o Espírito Santo, onde não atuamos. E, para isso, buscamos alianças comerciais com empresas que tenham a expertise da logística para armazenar e transportar e executar produtos refrigerados e prontos para o consumo.”


Souto, diretor de vendas da Vigor: buscamos alianças comerciais com empresas que tenham expertise de logística

O executivo ressalta ainda o valor do trabalho dos agentes de distribuição dizendo que as ações realizadas no varejo fazem toda a diferença e são perceptíveis. “Quando você entra na loja, enxerga com clareza o trabalho desenvolvido por um distribuidor evoluído e exclusivo. São ambientes com balcão bem executado, expondo por exemplo produtos mais caros. O contrário é ver uma gôndola apagada, no canto, com produto em ruptura, que demonstra outro perfil de abastecimento. Essa diferença de serviço salta aos olhos. E o shopper vê essa diferença.”


LEMBRANÇA QUE FORTALECE

Sediado em Sergipe, o grupo Fasouto possui duas modalidades de negócios para atender pontos de vendas do varejo: a distribuição e cinco lojas de cash & carry. “Nasci dentro da distribuidora, na época era de cerveja, que entendo ser o primeiro setor com modelo de distribuição consolidado no Brasil de produtos de consumo”, lembra o CEO Juliano Faria Souto (na foto). O empresário enxerga o processo evolutivo da distribuição, antes considerado apenas para bebidas, e essencial na cadeia produtiva. “É fundamental para que a indústria, com marcas valiosas, atenda a um mercado tão diverso, como é o brasileiro, considerando regiões, culturas, hábitos e renda da população”. A empresa Fasouto atua com 20 fornecedores e atende 3.500 pontos de vendas, com um portfólio de 1.400 itens.


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