O grande desafio

Os caminhos trilhados e os desafios enfrentados pelo varejo de vizinhança tendem a crescer mais no País, segundo os especialistas

Por Adriana Bruno

Mais de um milhão. Estimativas feitas pelo mercado apontam que o número de pontos de venda do País passa dessa cifra, sendo que, em boa parte, eles são os varejos de vizinhança, clientes do atacado distribuidor, com lojas espalhadas por todo o Brasil e que há anos se destacam, crescem e se consolidam na preferência dos brasileiros, ao mesmo tempo em que o mercado também vê o atacado de autosserviço ganhar espaço e crescer como escolha do consumidor. 

Alguns fatores, como mudanças de ordem econômica e cultural, impactos no poder de consumo, busca por conveniência, praticidade, proximidade dos lares ou dos locais de trabalho, e até mesmo a relação direta com o cliente, favorecem o pequeno varejo frente à concorrência do mercado. 

“Não é à toa que inúmeras grandes redes passaram a investir pesado no mercado de vizinhança. Ainda há muitas oportunidades, nichos pouco explorados, serviços a serem desenvolvidos e melhoramentos no atendimento, entre outros recursos”, comenta Fátima Merlin, sócia-fundadora da Connect Shopper. 

Segundo ela, o varejo de vizinhança é tradicionalmente caracterizado pelas compras picadas, de necessidades específicas, compras de reposição. “É um modelo enxuto, com uma média de dois a quatro mil itens”, diz. 

Os dois últimos anos não foram animadores para os varejos ou mercados de vizinhança, afirma Marco Aurélio Lima, diretor de Negócios da GfK Brasil. 

“Os resultados foram pífios e esse período foi muito desafiador. Porém, é um canal que, com a retomada do poder de compra das famílias e com a melhoria da estabilidade econômica, voltará a crescer em um ritmo mais acelerado que os outros canais ”, avalia Lima. 

Mas esse crescimento não está atrelado apenas à economia ou à retomada do poder de compra da população. Há muito trabalho a ser feito para que o varejo de vizinhança dê um salto em participação de mercado. 

Olegário Araújo, sócio-fundador da Consultoria Inteligência 360, destaca que para os varejistas independentes ou que pertencem a centrais de negócios, o maior desafio que têm à frente é o de melhorar a gestão. 

“Essa melhor gestão implica em ter um controle dos estoques e acompanhar a margem bruta e o fluxo de caixa, bem como conseguir acompanhar as novidades em lançamentos, mas tudo isso precisa ser adequado ao público-alvo da loja. Para isso, a empresa precisa conhecer seus clientes”, avalia. Araújo também faz um alerta: 

“Um equívoco comum cometido por essas empresas é o de querer acompanhar o preço praticado pelo autosserviço para o consumidor final. Além de não ter economia de escala para isso, a margem não é calculada corretamente e o preço pode ser estabelecido de maneira indevida, comprometendo a saúde financeira da empresa. Essas empresas têm o benefício da proximidade com o cliente e deveriam fazer uso desse conhecimento do chão de loja e da sua agilidade para promover ajustes na loja a fim de servir melhor”.

GESTÃO DA LOJA

MARCO AURÉLIO LIMA, diretor de Negócios da GfK Brasil

O grande desafio desse canal, e que é o “calcanhar de Aquiles” dos seus donos, é a gestão da loja.

“No Brasil, temos muitas lojas que começaram pelo espírito empreendedor de seus fundadores, mas que precisam melhorar sua gestão para continuar crescendo”, comenta Lima.

Para ele, quando se fala em gestão refere-se a um controle financeiro, uma gestão adequada de estoque e de perdas, um conhecimento das necessidades do consumidor, um planejamento de algo em relação ao gerenciamento de categorias, uma gestão de pessoas (colaboradores), e, por último, um investimento certeiro em tecnologia no ponto de venda. 

“Para tudo isso, o responsável ou dono da loja precisa gastar tempo em treinamentos, cursos ou melhoramentos de sua escolaridade, com o intuito de fazer o estabelecimento crescer”, avalia. 

Lima também destaca que há outro desafio nesse canal, o da relação com os fornecedores, pois o mercado caminha para algo mais digital (e-commerce), sem, por isso, perder sua humanidade. 

“A continuidade e a fidelidade com seus fornecedores é fundamental!”, diz. Como parte do processo de gestão, é preciso destacar o relacionamento da loja com o cliente e, para isso, é preciso conhecer o perfil do shopper para estreitar esse relacionamento e entregar, de fato, o valor que o cliente busca naquele ponto de venda.

FÁTIMA MERLIN, sócia-fundadora da Connect Shopper

“Hoje, contamos com inúmeras ferramentas e metodologias disponíveis no mercado para lidar com a complexidade no entendimento do comportamento do shopper nos dias atuais, entendendo quem é ele, como se comporta quando vai às compras, o que pensa e como age durante a compra, as motivações que explicam tais comportamentos e seu processo de tomada de decisões, entre outros aspectos”, comenta Fátima Merlin.

Ela também destaca que, por um lado, há os métodos de pesquisa tradicionais, como os grupos de discussão, as entrevistas pessoais, e as observações sobre a compra no ponto de venda, e, por outro lado, a eles somam- se técnicas mais modernas e novas metodologias com os objetivos de se obter maior precisão e consistência nos estudos sobre o shopper. Há também cartões de fidelidade e CRM, entre outros recursos disponíveis. 

Para Fátima, o varejo de vizinhança inclui três outros grandes desafios. O primeiro deles é o de conseguir positivar os produtos frente a um cenário de pouco espaço nas lojas e grande número de produtos. O segundo é a “luta contra a ruptura”, e o terceiro é o de executar as ações de maneira adequada, por exemplo, na exposição e no uso dos materiais de comunicação e em ações de merchandising. 

“A maioria nunca viu e, às vezes, nem sabe o que é planograma. Para piorar, não há práticas contínuas de monitoramento e estatísticas sobre as ações que são executadas, e nem mesmo sobre a efetividade das mesmas. Embora se faça muitas coisas, elas não são necessariamente adequadas e eficientes para se obter o resultado esperado, e às vezes o cliente precisa voltar”, alerta. 

A especialista recomenda organizar as ações a partir da jornada de compra do shopper – por meio da qual se deve mapear o comportamento e as decisões a partir do desejo/necessidade de um produto, marca e canal, e se estender até a avaliação final da experiência de compra. “Com isso, é possível estruturar e desenhar ações assertivas em todos os pontos de contato com os clientes.” O primeiro passo da jornada de compra do shopper nada mais é que permitir ao consumidor ter o conhecimento do produto e/ou do canal de compra/loja”, orienta.

CAMINHOS PARA A DIFERENCIAÇÃO

Oferecer serviços que gerem mais conveniência e personalizem as ofertas são maneiras de avançar e de se diferenciar quando o assunto é oferecer diferenciais ao shopper. E, para isso, não é necessário conceber estratégias mirabolantes. 

Por exemplo, Olegário Araújo conta que certas empresas fazem uso das mídias sociais para divulgar o “pão quentinho” que está saindo. Há também aquelas que atendem pedidos pelo WhatsApp e entregam em domicílio, o que facilita a vida do cliente.

OLEGÁRIO ARAÚJO, sócio-fundador da Consultoria Inteligência 360

“A loja de vizinhança pode fazer uso da tecnologia para oferecer praticidade aos seus principais clientes. Alguns negócios já utilizam o WhatsApp business para oferecer tal comunidade. Mas é de importância vital conhecer os principais clientes. Os funcionários da loja podem ajudar a mapeá-los”, comenta Araújo.

Estudos anuais da GfK mostram um crescimento em vários serviços ou produtos, com o objetivo de melhorar o relacionamento com os consumidores. “Considere, por exemplo, o aumento do número de lojas que já oferecem produtos orgânicos, recurso importante para um consumidor e um mercado em crescimento. 

Também podemos pensar no número crescente de lojas que oferecem outros serviços, como peixaria, padaria, entrega em domicílio, diferentes formas de pagamento, açougue, bazar, etc. Nossa pesquisa indicou que 11% das lojas do mercado de vizinhança também estão vendendo eletrodomésticos. Os estabelecimentos estão se adaptando cada vez mais às necessidades de seus consumidores”, comenta Lima.

O CLIENTE

Com uma pulverização tão grande do número de lojas e com uma dimensão gigantesca de territórios é difícil traçar um perfil exato do shopper do varejo de vizinhança. Marco Aurélio Lima prefere indicar que o público do mercado de vizinhança não tem relação com idade, gênero ou classe social. “São pessoas que buscam uma praticidade e uma comodidade maiores para o seu dia a dia. É uma relação mais comportamental do que social. Temos de levar em consideração que a palavra ‘proximidade’ é a grande tônica desse canal”, afirma. 

Por sua vez, Olegário Araújo destaca que, para definir o perfil desse shopper, é preciso levar em consideração que há diferentes tipos de clientes e outras variáveis, como a localização da loja e o papel que a mesma desempenha na jornada de compra do cliente. “A grande média aponta para pequenas compras, mas hoje a pequena compra, se for de uma pessoa que mora sozinha, é uma compra de
‘abastecimento’. Hoje, temos muitos domicílios com apenas um ou dois moradores com mais de 60 anos, mas também temos lares com jovens que moram sozinhos. São hábitos de compra muito diferentes”, esclarece.

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