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Na mira, novos negócios

Empresas do setor acreditam na flexibilização dos investimentos e buscam modelos adequados à sua cultura, aos seus processos...e ao seu caixa

por Rúbia Evangelinellis

Olhar atento voltado para o mercado e visão capaz de enxergar oportunidades promissoras de negócios que agreguem valor ao faturamento contabilizado fazem o sonho de qualquer empresa. Porém, como não basta ter o desejo de alcançar o objetivo, a diversificação dos negócios exige planejamento, análise do setor, conhecimento da região e, sobretudo, atenção para se saber se o apetite para investimento está adequado ao caixa. Outro cuidado consiste em monitorar o termômetro de vendas e entender que a operação, muitas vezes, precisa mudar de rumo.

O fato é que o caminho da diversificação envolve a constante observação do negócio, de modo a mantê-lo fluido o suficiente para não engessar a operação. E, quando necessário, é preciso rever o modelo, virar o jogo e, até mesmo, tomar decisões mais radicais, como desmembrar operações para dinamizar separadamente os negócios. Foi o que aconteceu recentemente com o Grupo MGB, que antes controlava as bandeiras Giga Atacado, Supermercados Mambo, Petit Mambo Delivery e Petit Mambo. 

Agora, o MGB passa a ser um CSC (centro de serviços compartilhados) para as duas operações distintas. Na nova estrutura, ele oferece serviços de retaguarda, como o financeiro, o de contabilidade, o de recursos humanos e o jurídico, para o Giga Atacado e o Mambo, que se tornaram duas empresas com gestões separadas, em uma decisão tomada em conjunto pela família Nassar no fim de 2019.

MAIS INDEPENDÊNCIA

André Nassar permanece à frente do Giga Atacado como CEO e presidente do Conselho da Administração. Tem sob seu domínio uma rede de dez lojas de atacado de autosserviço instalada no eixo expandido da capital paulista, na qual cobre até um raio de 100 quilômetros. Seus irmãos estão no controle das outras operações – Marcos no Mambo (com os mesmos postos que André) e Lucas como CEO do MGB e vice-presidente dos conselhos do Mambo e do Giga. 

O Mambo surgiu em 1982 e tem atualmente oito lojas. Depois, veio o Giga, em 2009, e o Petit Mambo, a partir de 2017, com três lojas de proximidade na capital paulista.

”Agora, com as gestões e governanças separadas, cada grupo de lojas assume as áreas de negócios, compras e marketing”, explica André Nassar, que investe, paralelamente, na Loja Saudável, lançada em 2018 no bairro de Pinheiros, e cujo portfólio é perfeitamente adequado ao nome.

Apesar da mudança, André Nassar deixa claro que a operação do Giga não compete com a do Mambo, mas sim com outras bandeiras de atacado de autosserviço. E que, a partir da mudança, ganhará mais agilidade: “Chegamos a um ponto em que as operações do atacado ficaram grandes e, paralelamente, tínhamos o Mambo, com expressivo corpo de produtos. Por isso, optamos por duas governanças e presidências.” 

André Nassar acrescenta que, com cada empresa focada nos seus objetivos, será possível avançar nos projetos, embora entenda que a sinergia foi importante para dar peso às duas bandeiras: “Porém, se houver um momento em que sinergia possa virar ruído, e a fricção comece a fazer mais calor do que luz, aí é preciso avançar na especialização, como fizemos. Quando era MGB (com uma única gestão e governança) precisávamos ter propósitos amplos, porque ela abarcava duas empresas com características muito distintas.” 

Com uma carteira de clientes constituída por cerca de 60% de pessoas físicas e 40% jurídicas, um mix de cerca de 5 mil itens e um tíquete médio de 200 reais, André Nassar quer acelerar o plano de expansão e alcançar a marca de 20 lojas Giga nos próximos três ou quatro anos. Uma delas já está prevista para 2020. No momento, tem 1,2 bilhão de reais de faturamento. Também está prevista a montagem de um centro de distribuição, o qual permitirá à empresa ganhar poder de fogo. O CD previsto deverá atender o dobro da capacidade atual, de 17 mil metros quadrados. Antes, as entregas eram feitas diretamente nas lojas.

SEGUNDO O MOVIMENTO DA MARÉ

No entanto, até mesmo empresas que mantêm os negócios no mesmo rumo precisam ficar de olho no movimento da maré para conservar o barco no prumo. A Fasouto, de Sergipe, é um exemplo de empresa atenta ao mercado e que observa para onde sopram os bons e novos ventos. A empresa atua em duas frentes de negócios no canal indireto: atacado distribuidor (no Estado) e autosserviço, além dos ensaios que começa a fazer para proporcionar robustez ao seu atual e-commerce, um corpo de novos negócios.

JULIANO CÉSAR FARIA SOUTO, diretor da Fasouto

O primeiro Lojão Fasouto foi inaugurado em 2010, em Aracaju. Em 2014, a empresa expandiu sua operação, com lojas abertas nos municípios de Lagarto, Estância e Tobias Barreto. A partir dessa ocasião, consolidou o projeto de interiorização do autosserviço, ancorado no propósito de levar o serviço a clientes de micro e pequeno portes, instalados em cidades que carecem desse modelo de canal de compras. As unidades comercializam, em média, 12 mil itens e 65% de seu público é constituído de empresas e transformadores. Fiel à proposta de atender regiões onde há menos concorrência, a operação de autosserviço volta agora sua atenção para o entorno da capital sergipana, na Grande Aracaju. A quinta unidade do Lojão Fasouto será aberta no município de Nossa Senhora do Socorro, prevista para entrar em funcionamento a partir deste mês de março, e terá 2 mil metros quadrados. E, no mesmo terreno, haverá um novo centro de distribuição Fasouto, de 8 mil metros quadrados, com o dobro de tamanho do atual. Com o novo CD, a empresa entende que ganhará o espaço necessário para suportar a expansão (5 mil metros quadrados) e ainda contará com uma folga para oferecer serviços de operador logístico, como é favorecido pela localização. Juliano César Faria Souto, diretor da Fasouto, define a diversificação como evolução criativa com foco em resultado, expressão também utilizada por consultorias. “O fato é que o mercado evolui e precisamos caminhar nessa direção. Não somos uma empresa de vanguarda, não criamos muita coisa, mas sabemos da importância de termos um DNA que garanta esse compromisso”, explica. Segundo informou, todas as decisões que seguem essa tendência também seguem esse conceito. E isso passou a valer quando a empresa optou por investir no autosserviço, na atuação como distribuidor especializado, bem como na decisão de atender apenas uma área geográfica e de vender por aplicativo, entre outras medidas. Com a implantação do autosserviço, a empresa também acabou por optar pela atuação como distribuidor especializado por marcas, com um sortimento que soma as contribuições de 15 fabricantes.

“Não somos especializados em categorias. Trabalhamos com indústrias que têm um mix complementar (elas não competem entre si) e apenas em Sergipe, com um sortimento que varia entre 2.500 itens e 3 mil itens. Entendemos que, assim, oferecemos a elas prestação de serviços diferenciados, inclusive de trade marketing”, assegura.

ENTROSAMENTO

Mas há empresas que já nascem com a missão de flexibilizar os negócios. É o caso da Unidasul, criada em 2006 a partir da união da Comercial Unida de Cereais com a Comercial Rissul. Ambas trouxeram em suas bagagens seus negócios do varejo e do atacado, bem como suas marcas próprias. Juntas, criaram uma empresa “multidisciplinar”, que tem sua estrutura de transporte e logística de bens de consumo no Rio Grande do Sul.

Edson Cesaro, responsável pelo atacado distribuidor, explica que ambas tinham origem semelhante às de outras tantas companhias que atuam no canal indireto. “Foram negócios iniciados com armazéns de secos e molhados, comandados por famílias, e com intensa influência do atacado. A partir de 1970, passaram a investir em autosserviços, estruturando-se, até que, em 2006, viram a oportunidade de junção. O autosserviço veio depois da união”, lembra. 

Hoje, a Unidasul se reconhece como uma empresa que tem sob seu guarda- -chuva 38 lojas de varejo Rissul (com 20 mil SKUs), e oito unidades de autosserviço Macromix (com cerca de 15 mil SKUs) na Grande Porto Alegre, região da serra gaúcha e no litoral. Juntas, respondem por 80% do faturamento. Os demais 20% vêm do atacado distribuidor, que comercializa três marcas próprias: CBS Alimentos, Valore (de alimentos e limpeza doméstica) e Num Instante (de refrigerados e congelados), além do portfólio generalista. Esse braço da Unidasul também conta com o DecSul (distribuidor especializado em cosméticos no Rio Grande do Sul).

Segundo o executivo, por razões estratégicas, as marcas próprias são vigorosamente trabalhadas no atacado distribuidor e cada uma delas tem sua equipe de vendas, como ocorre com o DecSul e o mix generalista. Mas aí vem a espinhosa questão: “Como conciliar os interesses?” Edson Cesaro considera fundamental manter um bom entrosamento entre as operações, no nível de sua direção, avaliar conjuntamente algumas situações, e esforçar-se por enxergar, e até mesmo prever, possíveis dificuldades. Já houve casos em que, por adequação, tomou-se a decisão de trocar a bandeira da loja, como uma maneira de atender melhor a região e a vizinhança.

EDSON CESARO, diretor da Unidasul

“Não existe uma receita mágica que faça o bolo crescer. Tentamos conduzir os três negócios de maneira adequada, com suas particularidades, dentro de uma estratégia focada no todo. É o nosso jogo de equilibrista do dia a dia. Creio que o grande segredo está no entrosamento das áreas comercial, logística, financeira e administrativa”, assegura.

O grupo, como um todo, tem mais de 7 mil colaboradores, cerca de 300 representantes comerciais, três centros de distribuição – um para cargas secas e bebidas, outro para hortifrútis, e outro para refrigerados e congelados. Eles abastecem as três operações, bem como a frota própria. Para 2020, a empresa tem uma perspectiva de crescimento nas três vertentes de negócios. E a flexibilização é considerada muito importante para dar equilíbrio à operação local.

MARCA PRÓPRIA

Em 1982, quando a Fröhlich, distribuidora atacadista gaúcha, apresentou sua primeira marca própria, a Fritz, rebatizada em 1999 como Fritz & Frida, criava com ela um divisor de águas, a diversificação dos negócios. A empresa passou a investir em equipamentos e tecnologia para o beneficiamento de grãos e o empacotamento. Estreitou relações com indústrias, que passaram a produzir itens da marca, e que hoje somam 33 fabricantes parceiros. Passou ainda a importar feijão branco, lentilha, ervilha seca e até mesmo maquinário para a produção. 

O novo modelo de negócio deu certo e outras duas marcas próprias surgiram: Frily, de alimentos para animais, e Frilar, específica para produtos de limpeza. O controle de qualidade é feito pela própria equipe da empresa.

LAURO CARLOS FRÖHLICH, diretorpresidente da Fröhlich

“A marca própria é importante porque traz garantia de vendas, principalmente quando passa credibilidade ao mercado. Acredito que no Rio Grande do Sul estamos entre os pioneiros nessa modalidade”, observa Lauro Carlos Fröhlich, diretor-presidente da empresa.

Segundo explicou, 60% do faturamento provém dos produtos de marca própria, que exigiram, recentemente, um investimento de 3 milhões de reais na produção. De olho na referência do consumidor, a empresa faz adaptações nas suas linhas próprias e, assim, aumentam seu quinhão de negócios, com a projeção, para 2021, de aumentar entre 5% e 7% o faturamento de 2020. 

A consolidação de suas marcas Fritz & Frida, Frily e Frilar impulsionou o resultado de 2019, com alta de 7% no faturamento da empresa. Das 67 mil toneladas de produtos vendidos pela Fröhlich nesse ano, com um crescimento de 4,66% em relação ao apurado em 2018, 47 mil toneladas foram de itens de marca própria. Entre as novidades nas linhas estão as massas frescas, tapioca e misturas de bolos – aipim e milho. Todo o esforço é no sentido de modernizar o portfólio, sendo que de 33 itens foram reformulados 32 (em inovações que vão da embalagem à receita). A empresa tem cerca de 300 produtos próprios e oferece um mix de cerca de 1.900 itens como atacado distribuidor. Sua carteira inclui aproximadamente 13,5 mil clientes. Quanto á Frily, é uma das marcas que passaram por reposicionamento no ano passado e renovação do layout. Essa linha registra vendas de 3 mil toneladas.

O crescimento é um dos fatores que levam à longevidade empresarial. O grande problema, no entanto, está no fato de que três entre quatro inciativas dão errado por falta de planejamento, avalia Luís Lobão (foto), conselheiro de empresas e especialista em Estratégia de Crescimento e Governança. Ainda que considere o crescimento como uma necessidade “imperativa” para empresas que queiram se perpetuar, e ainda que reconheça que “elas não podem ficar imobilizadas pela síndrome de Peter Pan, de querer permanecer pequeninas”, Lobão alerta para o fato de que se as empresas, por um lado, precisam evitar essa síndrome, por outro elas têm de solidificar, ou consolidar – mas sem recair na imobilidade – seus planos e fugir de ações oportunistas. 

Para montar uma base de crescimento, acrescenta Lobão, quatro movimentos devem ser considerados. O primeiro deles é a maximização do negócio atual, ou seja, a observação de ativos ocultos, como canais de vendas subutilizados e categorias de produtos que não estejam bem trabalhadas. O segundo está voltado para a busca de oportunidades adjacentes, próximas ao centro do negócio principal. O terceiro implica em reconfigurar o modelo de negócio. Quanto ao quarto, ele diz respeito à diversificação, que deve ser examinada com cautela, medindo-se a capacidade de investimentos. A diversificação precisa atender o mercado e os clientes sem correr o risco de expor o core business (isto é, o negócio central). “A grande questão está no fato de que, quanto mais a empresa se afasta de seu core business, mais sua oportunidade de sucesso é reduzida. E como diversificar significa se distanciar do core business, esse quarto movimento requer o discernimento de um bom jogo de cintura.” 

Autor de nove livros sobre estratégia e governança, um dos quais trata justamente do tema crescimento e longevidade empresarial, o consultor destaca os passos que medem o distanciamento e ampliam as chances de insucesso. “É preciso avaliar se a oportunidade de negócios destina-se aos mesmos clientes ou a novos clientes. Se for destinada aos novos, isso significa um passo fora do core.” A mesma avaliação deve ser feita considerando-se os canais de vendas e os concorrentes, bem como a utilização dos ativos. “E, por fim, verificando se os ativos intangíveis, como relacionamento, marca e propriedade intelectual, serão ou não serão os mesmos.” Nessa encruzilhada, recomenda-se que a empresa busque oportunidades que agreguem valor ao setor e ao cliente, e não apenas a ela, criando assim as vantagens competitivas, consideradas essenciais. 

Olegário Araújo, cofundador da Inteligência360 e pesquisador do Centro de Excelência em Varejo da FGV – Fundação Getulio Vargas, acrescenta que as empresas do canal indireto precisam, antes de investir na flexibilização, avaliar o seu modelo de negócio: “O atacado precisa pensar em como tornar o seu negócio mais eficiente, em automatizar processos, e em repensar o modelo atual. Um novo negócio precisa ter sinergia com o atual e com o mercado.” 

Olegário alerta para o fato de que é preciso, sobretudo, pensar nas relações humanas, ouvir os clientes e ter os olhos voltados para o mercado, a fim de identificar os pontos carentes, que podem viabilizar novos negócios ou corrigir o rumo. O especialista destaca, como exemplo positivo, o trabalho desenvolvido por startups, que observam o mercado e enxergam os elos de vulnerabilidade para entender onde podem “atacar” sem por isso recorrer a investimentos expressivos: “Até mesmo grandes empresas estão adotando o conceito de laboratório de inovação, que tem como princípio investir um mínimo valor possível (MVP), como se estivesse desenvolvendo um piloto, que é a linguagem das startups.” 

Quando a empresa investe em um novo negócio, outro desafio consiste em manter o foco na operação para aquele modelo. A lógica de atuar no autosserviço, explica, não é a mesma do atacado distribuidor. É preciso pensar no que a loja vai oferecer, no tipo de relação que será estabelecida com a indústria, e nas compras de oportunidades adequadas para atender esse público, que é constituído por varejo, consumidor, clientes institucionais e food service. “Hoje, eu já imagino o autosserviço atuando com células para atender vendas dentro da loja, equipes de vendedores que fazem visitas para food service, hotel e casa noturna, e que vão mapeando tudo isso. São negócios com lógicas diferentes, mas que operam conectados.”

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