Especial - Economia

Anos de desafios

Economistas avaliam os momentos vividos nas últimas quatro décadas, com o País pressionado pelo aumento de custos, tarifas e gastos públicos

por Rúbia Evangelinellis

Um olhar dirigido para o comportamento da economia brasileira a partir de 1981 nos leva a reconhecer que o maior desafio por ela enfrentado em todos esses anos concentrou-se em seus esforços para domar a inflação. Embora tenha sido alvo de combate nos sucessivos planos de governo, sendo que os anos 80 foram considerados a década perdida para o desenvolvimento econômico, o êxito na luta contra a escalada inflacionária veio somente com o Plano Real, na década de 1990.Mesmo que a situação econômica atual esteja longe dos picos da hiperinflação, economistas avaliam que o presente momento exige especial consideração. 

Lula monta uma estrutura social inédita. Cria o Proune (Programa Universidade para Todos), favorece o acesso ao consumo e promove melhorias no programa Bolsa Família (criado por Fernando Henrique Cardoso). “A década de 2000 foi marcada pela inclusão social”, acrescenta o professor Sillas.”

A partir dessa compreensão, segundo o especialista, a década de 1980 foi marcada por dois aspectos emblemáticos: a retomada democrática (depois de 21 anos de ditadura militar) e o movimento que promulgou a Constituição de 1988 (a qual estabeleceu direitos dos cidadãos, mas provocou aumento dos gastos públicos). No campo econômico, o primeiro governo civil, de José Sarney (de 1985 a março de 1990) herdou os custos do desajuste fiscal do governo militar. 

“Surgiram, nessa época, vários planos econômicos, como o Cruzado, em 1986, Bresser, em 1987, e Verão, em 1989, e o País não conseguiu resolver o problema da inflação (que chegou a 80% ao mês), que corrói a renda dos brasileiros e provoca o desequilíbrio fiscal”, acrescenta.

A década de 1990 começou com o governo Collor. Eleito pelo voto popular e com o discurso de combater a inflação, as “mamatas e os marajás”, no primeiro dia de mandato confiscou a poupança, e, consequentemente, gerou uma onda de desconfiança.

Plano Real

Sem sustentação política, Collor renunciou em 29 de dezembro de 1992 para escapar do impeachment. Assumiu a presidência o seu vice, Itamar Franco, que formou um governo de coalisão política. Em 1994, nasceu o Plano Real, no governo de Itamar Franco, sob o comando do então ministro da Fazenda, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que tinha carta branca para implementar medidas de combate à hiperinflação e estabilizar a economia. O plano promovia a desindexação da economia e criava uma moeda forte e inicialmente lastreada no dólar. 

Fernando Henrique Cardoso venceu as eleições à Presidência em 1994 e 1998. “O brasileiro conseguiu elevar o poder de compra e modernizar a economia. Com base na moeda estável, os preços deixam de aumentar  de um dia para outro, e por isso pode-se descortinar  um horizonte. Empresários começam a planejar os negócios e consumidores conseguem olhar para a frente sem estocar mercadorias. Então, abre-se um espaço para a poupança. Foi um avanço extraordinário”, destaca. 

 Luiz Inácio Lula da Silva vence as eleições presidenciais e toma posse em 2003, com um discurso mais moderado, que sinaliza o propósito de dar continuidade ao Plano Real. “Tudo o que foi feito no Plano Real começa a dar frutos, em um momento em que o mundo passa a comprar commodities como nunca. China, Rússia e Europa crescem. Compram soja, frango, carne, e o Brasil lhes  vende esses produtos.” 

Lula cria o Proune (Programa Universidade para Todos), favorece o acesso ao consumo e promove melhorias no programa Bolsa Família (criado por Fernando Henrique Cardoso). “A década de 2000 foi marcada pela inclusão social”, acrescenta o professor Sillas.  

Nuno Fouto, economista e coordenador de Pesquisas do Provar, destaca que foram feitas correções no rumo da economia durante o Plano Real, entre elas o socorro dado aos bancos, que deixaram de ganhar com a estabilização da inflação, e a adoção do câmbio flutuante depois da etapa inicial. “O Plano Real foi mais completo, pois levou em consideração  os cuidados que se deveria tomar para combater a inflação inercial e não permitir a sua volta. Um dos lastros foi o dólar, e não o congelamento. Foi criada uma moeda intermediária. Era corrigida e mantinha paridade com o dólar. Com a adoção do câmbio livre, com controle da inflação e administração razoável do Estado, o Brasil conseguiu obter reservas. A indústria reclamou, mas o ajuste do câmbio fazia parte do  jogo.”  

Impacto no parque industrial 

Para o especialista, nesse passado recente, faltou uma política que ajudasse a melhorar a competitividade na indústria de base, de manufatura, que cresceu muito pouco. “Tudo pronto para renovar o parque industrial, investindo  na produção para crescer ainda mais. Mas o campo, o agronegócio, também cresceu , acompanhado por  estudos da Embrapa voltados para o aumento da produtividade”, observa. 

Segundo informou, a partir dessa época, criou-se um problema pelo fato de a produção interna não ter fôlego para acompanhar o consumo. Por isso, “começou uma onda de crescimento baseado no consumo. Foi quando o varejo também passou a crescer, crescer e crescer. As empresas aumentaram sua capacidade instalada, mas não faziam novos investimentos ou, se o faziam, eram poucos. O consumo se intensificava, mas não a oferta, embora a importação aumentasse. Muitas empresas já maduras foram vendidas, na segunda e na terceira geração,” relembra.

O agronegócio, juntamente com as commodities, passou a constituir o lado mais produtivo do Brasil. “Mas faltou um projeto de importância, que garantisse uma competitividade daqui a oito, dez anos e com as fábricas importando, por exemplo, trazendo produtos da China.” A partir dessa época, já se falava na volta da inflação, pois havia consumo, as empresas estavam com a capacidade no limite e os produtos vinham de fora. Na virada de 2010 para 2020, veio a conta, problemas financeiros e gastos de governo. 

Nesse processo, Lula fez de Dilma Rousseff sua sucessora. Ela ocupou a presidência de 2011 a 2016, quando sofreu o processo de impeachment. Michel Temer assumiu a presidência em agosto de 2016 e nela permanece até dezembro de 2018. Mesmo com fraca sustentação política, fez a reforma trabalhista. Em 2019, assumiu Jair Bolsonaro.

BOX -Momento atual 

“O Brasil continua a ser espetacular para investimentos, mas faltam grandes projetos inovadores. No entanto, considera que houve um grande avanço da comunicação em rede”, ressalta o  economista Nuno Fouto.A evolução em quatro décadas aconteceu na microinformática, no processamento de informação – tanto na parte de tecnologia, como na de descobertas.” Há 40 anos, não podíamos imaginar que faríamos pagamentos pelo telefone”, destaca.

No campo da infraestrutura, Fouto avalia que o Brasil se empenha adequadamente na privatização dos portos, nos investimentos nas ferrovias (ainda muito ligados aos recursos do setor privado) e nas rodovias. Para ele, o período da pandemia, que exige o isolamento social, possibilita a aceleração de uma série de processos, como o home office e o e-commerce, e o investimento em centros de distribuição mais modernos, com mais tecnologia, que ocupem melhor os espaços, principalmente nos grandes centros.

No Brasil, começaram a surgir startups ligadas ao varejo, ao consumo, mas já existe um número razoável de startups tecnológicas para melhorar os processos para suprimentos, agronegócios e medicina.

“É um reflexo da evolução da informática e da capacidade das pessoas para, com investimento baixo, lidar com um modelo muito complexo, de muitos dados, de telemetria.” Mas ele também entende que, por outro lado, é preciso pensar em reformas, sejam elas do Estado, administrativa ou tributária. O que se espera é que seja logo.  

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