CAPA

Alerta ligado

Inflação ao redor de 10%, alta nos juros e incerteza política alteram previsões de empresas do canal indireto para o fim de 2021 e o início de 2022

por Claudia Rivoiro*

Desde o início da pandemia mundial do covid-19 no ano passado, já se passaram 21 meses de muitas mudanças que perturbam a cabeça do consumidor e o canal indireto do Brasil.
Depois de bons meses de muito trabalho e rentabilidade nos caixas dos atacadistas e distribuidores, a inflação em torno de 10%, a alta taxa de juros, a incerteza política com eleições presidenciais em 2022, a alta do dólar, as restrições impostas e, mais recentemente, a tão aguardada recuperação do emprego que ainda não decolou, somam motivos mais que suficientes para acender sinais de alerta na cabeça dos empresários que se preparam para rever os seus números de crescimento e o portfólio oferecido aos seus clientes.

Para Leonardo Miguel Severini, presidente da ABAD – Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores e diretor
do Grupo Vila Nova, com atuação nos Estados de Minas Gerais e São Paulo, a relação das indústrias com o canal indireto se fortaleceu e se aperfeiçoou nos últimos meses, com foco na missão de abastecer as famílias durante o período da pandemia.

Leonardo Miguel Severini, presidente da ABAD, comemora a volta do evento em formato híbrido

Em nossa empresa, devemos manter um crescimento em torno de 25%, resultado do nosso trabalho contínuo de equipe, e dos processos e estratégias internas com que trabalhamos. Mas já vemos dinheiro arrefecer no varejo por causa da redução dos programas assistenciais do governo. Esperamos que, com a retomada do Auxílio Emergencial, os setores de limpeza e alimentar deverão ser mantidos aquecidos, mas isso também depende do que o governo destinará para essa finalidade de ajuda financeira às classes menos favorecidas.

No Grupo JC, com vigorosa atuação na Região Centro-Oeste, o seu diretor, José Rodrigues da Costa Neto, acredita
que fechará o ano com um crescimento de 10% a 12% ( 2020 versus 2021). “Os primeiros meses do ano foram bons, mas de setembro para cá houve desaceleração, com redução de dinheiro circulando. Por outro lado, com o retorno do Auxílio Emergencial, inflação mais estabilizada e aumentos de preços de produtos, em especial os das commodities já arrefecendo, mantenho esse número de crescimento para o Grupo JC”, observou.

FLUXO DE VENDA O mercado está desaquecendo, o que ocorreu, em especial, no segundo semestre. Não totalmente desacelerado porque clientes grandes e médios estão ampliando os seus negócios.” A informação é de José Luiz Turmina, diretor-presidente da Onix Distribuidora, com sede no Rio Grande do Sul. Segundo ele, a empresa crescerá acima do planejado em 2021, de cerca de 34%, com 7% acima dos objetivos e 20% de área nova, mas já com sinal alerta ligado no que refere ao fluxo de venda para os nossos clientes nos próximos meses, em especial em novembro e dezembro”, declara Turmina.

Para Rodolfo Nejm, diretor do Grupo Super Nosso, de Minas Gerais, 2021 foi muito positivo para a marca e temos a
expectativa de fechar o ano com faturamento de 3,40 bilhões de reais. “Encerramos o primeiro semestre com um crescimento de 18% nas vendas, e esperamos, até dezembro, obter um aumento de 50% com relação ao mesmo período de 2020”. Nas vendas on-line, a rede teve um aumento de 145% frente a 2020. “Conseguimos colocar todos os nossos planos em prática, o que possibilitou o investimento em estratégias para reter o cliente e também expandir os negócios”, diz Nejm. Ele acrescenta que o Grupo tem investido intensamente em uma estratégia omnichannel. Somente neste ano, o Grupo inaugurou 22 novas lojas, sendo 16 unidades Carrefour Bairro, que passaram a operar com a marca mineira, duas unidades do Supernosso e outras duas com a bandeira Momento Supernosso, lojas menores com foco em conveniência. E, entre janeiro e junho, também foram abertos 63 pontos do Supernosso Be Honest, lojas autônomas localizadas em condomínios de Belo Horizonte e Brasília. Para 2022, prevemos obter um faturamento de 4 bilhões de reais e já temos planos de expansão para o interior do Estado mineiro. “Em maio, por exemplo, vamos inaugurar a primeira loja Apoio Mineiro fora da região metropolitana de Belo Horizonte, na cidade de Curvelo. E, até 2030, planejamos expandir-nos para outros Estados”, finaliza.

Marco Antônio Tannús, diretor de Clientes e Trade Marketing do Grupo Martins, destaca que, apesar de o Grupo estar fechando o ano com crescimento e rentabilidade, o mercado de consumo mudou no segundo semestre e foram feitos ajustes em estoque, sortimento e aceleração de ações junto aos clientes.

MARCO ANTÔNIO TANNÚS, diretor de Clientes e Trade Marketing do Grupo Martins

A estratégia digital continua auxiliando na distribuição, na melhoria do tíquete médio e no sortimento. Estamos com um otimismo cauteloso para 2022, acreditando em crescimento, mas avaliando mês a mês. O Grupo já está atento aos movimentos do mercado nos diversos segmentos em que atuamos, como atacado, varejo e banco. Seremos cautelosos, mas não iremos alterar a nossa estratégia com planejamento e objetivos claros e validados para curto e médio prazo.

O executivo acrescentou um pensamento do fundador da empresa, Alair Martins: “Não vamos nos contagiar com notícias ruins. Vamos trabalhar, fazer a nossa parte, atender bem o cliente e cumprir a nossa missão de servir ao varejo brasileiro. Que venha 2022”.

NÚMEROS REVISTOS Trabalhando na Região Nordeste, em especial no Estado cearense, a Jotujé Distribuidora, de propriedade de José do Egito Frota Lopes Filho, ex-presidente da ABAD, registrou até outubro um crescimento nas vendas de 20%. “Estamos otimistas, mas com sinal de alerta ligado e preocupados porque já sentimos uma queda nas compras feitas pelos nossos clientes e nos aumentos nos preços dos produtos, porque o consumidor não está recebendo esse acréscimo em seus rendimentos”, destacou.

“A previsão de crescimento era de 15% de 2021 sobre 2020, até agosto era mantido esse número, sem aumento de
lojas nem de operação.” A declaração é de José Luiz Gastaldi, diretor-presidente da Mercantil Nova Era, focado na Região Norte. Segundo Gastaldi, em setembro, a projeção foi alterada com valor menor, de 8% a 10%. “Não estamos conseguindo fazer com que as vendas aumentem. No autosserviço, que é a nossa maior operação, os números estão se mantendo, mas com o tíquete médio reduzido. O cenário para 2022 ainda é muito indefinido, com
as Reformas Administrativa e Tributária ainda sem aprovação e trazendo incertezas ao mercado, e também o aumento da inflação e dos juros, pesam nas projeções para o próximo ano”, explicou.

POTENCIALIDADE CONTIDA Caio Megale, economista da XP Investimentos, que apresentou uma palestra no Encontro de Valor ABAD 2022, acredita que este fim de ano ainda será bom, com alguns setores retomando suas atividades, mas com o retorno de uma inflação em torno de 10%, o cenário para 2022 é de preocupação e sinaliza grandes desafios pela frente.

CAIO MEGALE, economista da XP Investimentos

O Brasil tem uma grande força em suas demandas, mas é muito sensível aos cenários externos e internos. A inflação alta tem o poder de desorganizar a economia, ato muito conhecido pelos brasileiros e preocupante.

Ele também lembrou que poderá haver surpresas positivas nos dados fiscais de curto prazo, mas problemas estruturais permanecem. “No Brasil, aparentemente, a pandemia por enquanto está sob controle, diferentemente do que vem acontecendo na Europa e nos EUA, principalmente em razão do alto índice de vacinação no País. Por isso, o comércio está reabrindo, as pessoas voltam a circular e a retomar a rotina pré-pandemia. “Além disso, o impacto do Auxílio Emergencial, em 2020, foi muito positivo na economia, mais do que compensando a queda de
renda do trabalho e ajudando a manter firme o consumo”, completou.

Para Nelson Barrizzelli, coordenador de projetos da FIA – Fundação Instituto de Administração e conhecedor do setor atacadista distribuidor há mais de 30 anos, o momento em que vivemos é de alerta. “É difícil prever algo no Brasil a longo prazo, não podemos prever um futuro mais distante. No fim do ano, a inflação continua elevada, em torno de 10%, mas deverá se estabilizar e cair se não houver aumentos contínuos nos dois primeiros meses de 2022. Há hoje uma conjunção de diversos fatores que impactam a economia do País, impactos esses que vão desde fatores internacionais a fatores internos. A boa notícia é que a economia continua caminhando e as pessoas consumindo”, ressalta.

O economista observa que não vê grandes mudanças, nem positivas nem negativas, até o ano que vem, por causa
das eleições para presidente e demais cargos do Legislativo. Existem até setores particulares que estão obtendo bons resultados, como os restaurantes, hotéis, bares, supermercados e setores que envolvem atividades de turismo e de tecnologia, só para citar alguns. “O Brasil vive uma potencialidade contida, sem euforia e sem pessimismo, com uma tendência de melhoria gradativa, mas espartana. Os próximos meses deverão ser bons,
incluindo o período das festas de fim de ano, a reabertura de muitos setores que estavam fechados por causa da pandemia, o número alto de vacinados e, no que se refere à macroeconomia, nada de grave aconteceu”, destacou.

MARCAS EFICIENTES Barrizzelli, lembrando que já vivemos situações muito piores ao longo das últimas décadas
e que a desconfiança do consumidor vem da política brasileira, afirma: “Quando a situação se estabilizar, o consumidor voltará com voracidade às suas compras, inclusive com aquisições de longo prazo e de produtos premium. Mas é importante destacar que o brasileiro não deixa de comprar nesses momentos, ele troca por produtos de menor valor e busca marcas eficientes e mais baratas”.

O consultor Roger Saltiel, da Integration Consulting, e um dos coordenadores do estudo apresentado pelo Comitê Canal Indireto da ABAD juntamente com o professor Nelson Barrizzelli, destaca que o futuro do canal indireto é e sempre será muito importante no Brasil, pois atende mais de um milhão de pontos de venda no País, em uma extensão territorial enorme, e atende os pequenos e médios varejistas. “A minha provocação é com o papel que ele irá desempenhar com o marketplace, o que já está acontecendo, e as indústrias, que estão se aproximando mais dos pequenos e médios comerciantes com os seus novos canais de venda. Mas, por outro lado, buscam mais
sofisticação na entrega de mercadorias e no merchandising no ponto de venda, que demandam um trabalho diferenciado do canal indireto além indireto. Além disso, de que poderão atender novas categorias que estão no holofote neste momento, como perfumaria, lojas de produtos naturais e outras. É preciso repensar o modelo de negócios e qual é a sua vocação em um momento de status quo que difere de sua maneira de atuar até agora, olhando para outras vertentes. E também existe uma oportunidade de crescimento e sofisticação em sua operação que até então não era percebida”, observa Saltiel.
(*Colaborou Ana Paula Alencar)

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