Ritmo bom com pitadas de cautela


O atual panorama econômico aponta indicadores positivos que puxam para cima o consumo, mas que exige cautela das empresas. O PIB (Produto Interno Bruto) surpreende com crescimento além do esperado, estimado em 3,2% para este ano, e a taxa de desemprego recua para 6,9% (apurada no segundo trimestre), a menor registrada nos últimos dez anos, apontam o lado positivo. Mas o ponto que merece atenção é a inflação, próxima do topo da meta oficial (4,5%), o que faz com que a taxa Selic mude a trajetória, rompendo o ciclo de estabilidade e de queda, e retome as expectativas de alta. Alessandra Ribeiro, sócia e diretora de macroeconomia e análise setorial da Tendências Consultoria, mantém a projeção de alta do PIB de 2,9% (2024) e de 1,7% (2025). Segundo informou, o cenário está melhor do que era esperado no início do ano, com as estimativas sendo revisadas positivamente e frequentemente.

Percebemos uma força da atividade econômica muito amparada em consumo das famílias e em investimentos, dois drivers importantes que geram emprego, renda, compra de bens e de serviço, além da demanda por créditos.

ALESSANDRA RIBEIRO, sócia e diretora da Tendências Consultoria

Entre os impulsos que proporcionam até então um melhor ambiente econômico estão os aumentos de gastos públicos; do salário mínimo, atualmente de 1.412 reais (reajustado pela inflação e com ganho real); e a queda de juros antes observada. Também contou a favor a resiliência da economia internacional, pelo menos até a primeira parte deste ano, em especial da economia americana.

COMÉRCIO EM ALTA Para a economista, 2024 deve encerrar com indicadores positivos, que podem fazer o comércio amplo crescer 5% e em 4,4% para supermercados e outros canais semelhantes. A alta projetada para artigos farmacêuticos surpreende por alcançar o patamar de 14,5%, contabilizando artigos de perfumaria e de higiene pessoal, cestas que ganham força quando aliviam o bolso do brasileiro. Colaboram para isso a taxa de desemprego, que deve encerrar o ano em baixa, na média de 6,9%, ante os 7,8% apurados anteriormente, enquanto a massa de renda das famílias deve subir 7%, um ponto acima do registrado no ano passado.

Quando se considera um possível cenário para 2025, Alessandra Ribeiro acredita que haverá crescimento, porém em patamares mais baixos, em ritmo mais brando.

“Acreditamos em novo ciclo de alta de juros, que deve chegar a 12% no início do ano que vem, e no menor aumento dos gastos públicos, considerando a regra fiscal e a economia internacional, com China e EUA afrouxando o corte de gastos. São variáveis que refletem no emprego e na renda, e alcançam o comércio amplo e o desempenho dos supermercados, que vão crescer em ritmo menor, em 2,3% e 1,7%, respectivamente”.

DOIS LADOS DA MOEDA Felipe Tavares, economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), reforça que a economia brasileira surpreende e emite sinais que possibilitam traçar cenários diferentes e até confusos para o planejamento das empresas. Pelo viés otimista, tem a renda e o consumo em alta, mercado de trabalho aquecido, fatores positivos para o varejo e empresas abastecedoras.

Já pelo lado pessimista, estão a dívida pública elevada, os gastos públicos sem controle e perspectiva de aumento de inflação e de juros. “O ponto de equilíbrio seria a observação das duas visões e considerar que se tivermos os fatores estruturais controlados, as variáveis otimistas parecerão, porque vão gerar renda.”

Esse olhar é importante, acrescenta, pelo fato de 2025 sinalizar maior desafio para o varejo. “Estamos vivendo um crescimento econômico muito baseado no consumo, impulsionado após um período de alto desemprego e redução da renda ocorrido nos últimos anos. Mas existem fatores preocupantes, como o aumento dos gastos e endividamento públicos, crédito mais restrito, em razão da alta de juros, além do risco de maior inadimplência, que já não está em patamar favorável”.

Temos de olhar com mais cuidado a projeção futura, no que é mais resiliente em mo- mentos de turbulência e garantir um planejamento mais tranquilo.

FELIPE TAVARES, economista-chefe da CNC

A projeção da CNC indica crescimento do consumo e do comércio (em 2,1%) neste ano. Entre os cuidados que as empresas precisam tomar, o economista recomenda manter a atenção no gerenciamento de estoque, reduzir e evitar exposição ao risco. Outra sugestão é ter o caixa na conta justa para evitar a dose amarga em momento de queda de vendas.

“Caixa espremida e estoque alto podem levar o varejo à crise em dois ou três meses. O canal indireto, por sua vez, sente a pressão de fornecedores, e têm clientes com risco de crédito e logística difícil. Se ele consegue ter um giro de estoque inferior a 30 dias, terá uma caixa mais protegida. Recomendo ainda negociar o portfólio com o fabricante.”

PEQUENAS COMPRAS Domenico Filho, diretor de varejo da NielsenIQ no Brasil, observa que a perspectiva positiva para o desemprego deve ser considerada juntamente com o fato de que, na outra ponta, o emprego informal atinge 40% da força de trabalho. “Isso traz menor patamar de salário e uma rotina de entrada de dinheiro para as famílias ao longo de cada mês, semanalmente ou diariamente. E aponta para uma situação diferente de consumo, de compras picadas, menores, realizadas mais vezes. O impacto dessa mudança, de certa forma, favorece o pequeno varejo, embora não descarte o varejista grande e o atacarejo, que estão cada vez mais próximos (geograficamente) do consumidor.”

A inflação (quase no topo da meta oficial) é outra variável de impacto do consumo, pressionando o bolso de famílias endividadas – situação que alcançou, em agosto, 78% dos respondentes da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, da CNC. Além desse sinal de alerta, ainda eleva a taxa de juros, avalia Domenico Filho.

Domenico Filho, diretor da NielsenIQ: uma situação diferente de consumo, de compras picadas, menores, realizadas mais vezes.

Pelas contas da NielsenIQ, o varejo apresentou no primeiro semestre crescimento de 6% em volume e de 8,6% em faturamento, na comparação com igual período de 2023. Para o encerramento deste ano, aposta em crescimento próximo ao atual.

O consultor Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail, por sua vez, enxerga um movimento fortalecido de consumo no canal alimentar. “O sinal de alerta está no aumento dos juros, que impactará mais as vendas de bens duráveis, de materiais de construção e a aquisição de outros produtos que dependem de crédito”, assegura.

Serrentino, da Varese Retail: o sinal de alerta está no aumento de juros que impactará mais as vendas de bens duráveis

Na avaliação do especialista, as empresas precisam considerar o curtíssimo prazo e também a agenda estruturante. “Devem ter o equilíbrio entre dois movimentos, pensarem em ajustes para o futuro próximo, com planejamento de demanda, estoque e compras, e na precificação. E terem ainda o controle da agenda de longo prazo, como a digitalização, o uso da inteligência artificial e a automação de processos-chave para ganhar eficiência e produtividade.”


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