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Crescer vencendo desafios

Especialistas avaliam que empresas do setor terão de acompanhar com lupa o mercado para alcançar as metas que almejaram para 2021

Por Rúbia Evangelinellis

O desafio de manter a trajetória de crescimento será maior para as empresas do canal indireto em 2021. Provavelmente, 2020 será lembrado como o ano em que a pandemia modificou o cenário do mundo, encaminhou pessoas e povos ao isolamento social e retraiu a economia (o PIB nacional recuou 4,1%). No entanto, por outro lado, essa situação incomum também levou o setor a contabilizar aumentos do faturamento, até mesmo acima do esperado, o que torna aquecida a base de comparação.

Porém, na virada do ano, já foi possível sentir a dinâmica de um novo tabuleiro de negócios, com a redução do auxílio emergencial (começou a ser pago em abril e em quatro parcelas de até 375 reais), que serviu como combustível para o consumo em 2020. E, olhando-se para o desemprego, que alcançou 14,8 milhões de pessoas no primeiro trimestre, e também para a inflação, que foi, conforme projetada pelo mercado financeiro para este ano, de 5,31% (acima do topo da meta do governo, de 5,25%), pode-se dizer que o cenário de desafios reserva surpresas.

Outro elemento que mostra que o jogo está aberto vem do PIB. De janeiro a março, o PIB subiu 1,2% e fez com que o mesmo mercado elevasse a previsão de crescimento para 3,96% em 2021. Porém, não foi o suficiente para conseguir reduzir a taxa de desemprego.

“Sem dúvida, 2021 está sendo um ano mais desafiador para o atacado distribuidor do que 2020. Há algumas razões importantes, mas, saindo à frente em disparada está a vigorosa retração do poder de compra do consumidor de baixa renda”, observa o economista Ricardo Amorim, ao avaliar o impacto do programa de auxílio emergencial sobre o consumo.

O fato é que a renda do consumidor com esse perfil cai e, consequentemente, o torna sensível aos preços. Porém, dará uma vantagem competitiva ao atacado de autosserviço.

Boas novas em 2021

No entanto, o economista destaca que está ocorrendo um movimento inverso no topo da pirâmide, com a recuperação dos empregos desde agosto do ano passado nessa faixa de candidatos. “Toda vez que há recuperação econômica, os primeiros a serem recolocados são os mais bem qualificados. As empresas conseguem recontratar por salários parecidos profissionais demitidos há cerca de um ano. E, desta vez, a aceleração do processo de transformação digital também exige mais, maiores e mais novas qualificações”, destaca, enfatizando que a recuperação do consumo neste ano será mais intensa entre os consumidores de renda mais alta.

Para o economista, apesar de 2021 ainda não ser um ano brilhante para o setor de distribuição, o ponto positivo é que os maiores desafios ficaram para trás, no primeiro trimestre, referindo-se à suspensão do auxílio emergencial no período e a redução da massa disponível de renda. “No segundo trimestre, com a volta do auxílio emergencial, e com uma massa salarial melhor (tanto por sazonalidade como por recuperação de emprego), já foi possível observar um cenário melhor.”

O cenário previsto é o de que haverá melhora no terceiro trimestre, acrescenta, mas o setor também precisa estar atento para o risco de uma eventual terceira onda da pandemia. Ele espera que, “provavelmente”, a partir do quarto trimestre, mais para o fim do ano, o Brasil terá uma parcela significativa de sua população vacinada e ocorrerá um reforço do consumo, o que poderá gerar um boom temporário.

Atenção voltada para o mix

De olho no crescimento já observado pelas empresas do setor, Renato Meirelles, fundador e presidente do Instituto Locomotiva, lembra que o isolamento social fez com que o consumidor fosse mais ao pequeno varejo, o que contribuiu para o crescimento dos negócios do atacado e do distribuidor. O crescimento de pequenas empresas, que também passaram a vender por delivery e são abastecidas pelo canal, colaborou igualmente para impulsionar os negócios.

Atualmente, destaca Meirelles, a regra do jogo ainda favorece, em especial, a prática de preços competitivos e a oferta de produtos de indulgência, na medida ajustada ao bolso de cada um. “O consumidor está sem dinheiro. E prioriza a compra de produtos básicos, o que beneficia o pequeno varejo. Mas, por outro lado, como ele não tem outros tipos de gastos, por exemplo, com viagens, abre-se espaço para um rompante de consumo por indulgência”, diz.

O fato é que o mero esforço de ter na mira esses movimentos diferentes e simultâneos exige que as empresas busquem por um mix condizente com o momento, tarefa que exige atenção redobrada. “Nesses momentos de crise, a escolha do portfólio não é trivial. A empresa precisa, ao mesmo tempo, garantir o produto de menor preço e contar com produtos e marcas indulgentes, que têm maior valor agregado para situações excepcionais.” Nesses casos, avalia que o olhar clínico das distribuidoras pode ajudar muito os pequenos varejistas na estratégia de construção de portfólio, evitar rupturas, garantir que não faltem marcas líderes e apresentar novas marcas para o consumidor que está com o cinto mais apertado.

O desafio de conseguir crescer em 2021 está, em especial, no fato de a empresa ter a flexibilidade necessária para acompanhar a mudança de comportamento do consumidor e entender que qualquer centavo a mais faz diferença em momento de crise, afirma. “Quando não se tem um aumento real do salário mínimo, o desemprego cresce, e ocorre a suspensão, por três meses, do auxílio emergencial, que voltou pela metade, e o brasileiro passa a sofrer novamente com a crise de perspectiva, pois não consegue ver a luz no fim do túnel.”

Onde mirar corretamente

Olegário Araújo, consultor de varejo e cofundador da Inteligência 360, entende que as empresas do setor precisam olhar para o mercado por diversos ângulos, para entender o que o cliente quer e qual o seu potencial de compras, o que lhes permite dinamizar os negócios, por exemplo, vendendo para a mesma carteira, buscando novos clientes ou reduzindo custos logísticos. “O primeiro problema é o de saber quem é o cliente, do ponto de vista da gestão. A pandemia foi um grande acelerador da digitalização, até mesmo para a rotina das empresas. E as que estavam mais bem preparadas estão se saindo melhor, com processos definidos e bem executados, e caminhando no sentido de automatizar alguns processos e a digitalização.”

A primeira etapa da digitalização consiste em automatizar processos, ter um bom cadastro, com anotações descritivas de produtos e códigos de barras, e com vistas à integração de áreas internas, em uma sinergia em que o pedido do vendedor chega às outras pontas – de encomenda e de abastecimento –, e também ter condições para fazer a leitura de dados essenciais do negócio, além de ganhar velocidade.

Uma vez feita a automatização de processos internos, a empresa precisa avançar na digitalização e na relação com a indústria e com o varejo. E, a partir daí, prossegue Olegário, obtém-se um ganho de velocidade nas operações, com custo menor, e se conquista precisão de informações. “A empresa precisa olhar para sua cadeia e fazer as seguintes perguntas: ‘Há qualidade nos processos? O que precisa mudar? Como automatizar para agilizar a relação e construir uma base de dados para ajudar a entender o comportamento do cliente, nesse caso o varejo, e orientá-lo para que realize a melhor compra’”, diz.

Por meio do acompanhamento das informações digitalizadas e com uma equipe preparada para analisar os dados informados pelo sistema, será possível inclusive propor melhores compras ao varejo atendido, bem como entender por onde é possível ampliar as suas vendas em um cenário mais competitivo. “O atacado precisa dispor de dados para entender o comportamento do cliente do seu cliente, saber qual é o giro dos produtos, classificar os clientes por região, entender por que, por exemplo, se vende mais xampu para um varejista que compra menos condicionador. Ele precisa adotar a sabedoria dos porquês.”

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