Em compasso de espera
Para deslanchar, os setores de transportes e de logística precisam que investidores privados desembolsem um montante de 1,7 trilhão de reais
Por Rúbia Evangelinellis
O setor de transportes carece de recursos para poder engrenar com eficiência a sua dinâmica. O plano desenhado pela CNT – Confederação Nacional do Transporte, espelhado na situação desse setor em 2018, prevê a necessidade de investimentos da ordem de 1,7 trilhão de reais em obras de infraestrutura e logística.
É um valor que leva em conta a melhoria de todos os modais, em particular o transporte público urbano. Mergulhado em uma crise econômica e no déficit público, pouco se pode esperar do governo federal, o que leva o setor a reconhecer no capital privado importância estratégica para a tão esperada e pleiteada alavancagem.
Porém, é preciso destacar, como aspectos positivos, segundo especialistas e empresários, os esforços do poder público para apresentar o setor aos investidores e buscar entendimento ao reunir todos os elos produtivos a fim de abordar problemas e estudar soluções.
Mas, ainda que esse poder envie sinais positivos ao mercado, ele entende que, antes, é preciso que se avance nas discussões e que se elabore um programa atraente, capaz de dar segurança jurídica aos investidores.
José Hélio Fernandes, presidente da NTC&Logística – Associação Nacional de Transporte de Cargas e Logística, é participante do Fórum do Ministério da Infraestrutura e considera importante reunir empresas e lideranças para avaliar a situação e apresentar propostas com o objetivo de se obter mais produtividade e rapidez. Reconhece, porém, a complexidade que vigora na área de transportes, a qual passa pela maior crise de todos os tempos.
A FORÇA DAS RODOVIAS
Paulo Resende, professor de Logística, Supply Chain e Planejamento de Transporte e Operações e coordenador do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento em Logística, Suprimentos e Infraestrutura da Fundação Dom Cabral, considera fundamental convencer, preliminarmente, os profissionais encarregados das análises do setor de transportes e respectivos investimentos de que eles devem descartar a injeção de recursos públicos. Além disso, devem entender que, a partir de agora, a predominância do capital privado será ainda mais intensa.
“Quando olhamos para as cargas gerais, que interessam efetivamente aos canais de distribuição, verificamos que elas apresentam características como peso bruto menor e maior valor agregado, e que saem da linha de produção e vão diretamente até o varejo. São produtos que têm como matriz as rodovias de transportes, as quais respondem por cerca de 72% de toda a carga geral distribuída, segundo estudo que temos na Fundação.
O mesmo estudo, acrescenta Resende, prevê que a participação das rodovias passará para 82% em 2035, mesmo que se leve em conta todos os investimentos ferroviários e hidroviários. “Essa situação descortina um panorama negado no Brasil, mas de importância crescente no transporte em estradas, contando-se com o fato de que a presença acentuada de hidrovias e ferrovias reduziria a participação das estradas no transporte da carga geral. Há, na verdade, uma transferência, mas focada na circulação de commodities.”
Diante da perspectiva de que é necessário aumentar a importância das rodovias no transporte de cargas gerais por meio de concessões, Resende alerta para a necessidade de as empresas do setor atacadista distribuidor investirem em eficiência logística. Isso porque estradas melhores, viabilizadas pela iniciativa privada, implicam em aumento de custo para rodar e também em um novo comportamento do varejista, que deverá optar por reduzir seu estoque, mas que também exigirá ser atendido mais vezes e com mais rapidez.
“Calculamos que, até 2035, será necessário investir, no mínimo, 30 bilhões de reais por ano somente em rodovias”, avalia.
Pelos cálculos do estudo, cerca de 90% das cargas rodoviárias no Brasil percorrem uma malha total de cerca de 80 mil quilômetros, incluindo federais e estaduais. E, desse total, apenas 18 mil quilômetros (cerca de 25%) funcionam como concessão para o capital privado, e isso significa que há espaço para investidores.
“Acreditamos que essa participação poderá chegar a 40 mil quilômetros. O aumento vai depender do interesse das atuais concessionárias e do investidor estrangeiro.” Segundo explicou, existem atualmente poucas concessionárias, são cerca de cinco de grande porte, enquanto o ideal seria expandir esse número para dez, o que tornaria o setor mais competitivo.
Em sua opinião, há hoje um cenário positivo para atrair investidores estrangeiros, com reformas em andamento e a retomada da confiança no Brasil, país de forte demanda. “Temos a possibilidade de aumentar em 43% o volume de cargas a ser transportado até 2035.
O investidor é muito pragmático nas suas análises e toma sua decisão pensando se haverá demanda futura, e o Brasil responde que sim. Quanto ao custo do dinheiro, está barato no exterior, com juros baixos, e o risco seria o marco regulatório, mas o governo já sinaliza, enfaticamente, que vem tomando decisões favoráveis ao mercado.”
POSIÇÃO DA ABAD
A Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores está se empenhando em buscar soluções que visam desonerar e desburocratizar o transporte. E trabalha em duas frentes ao mesmo tempo para levar as reivindicações aos parlamentos e ao governo.
Entre os pleitos do setor está, como principal pilar, o marco regulatório do transporte, aprovado pela Câmara dos Deputados e que hoje está sendo analisado pelo Senado. A entidade defende a liberdade de negociação entre o tomador de serviço e o transportador; a redução da burocracia (como excesso de emissão de notas, registros, licenças) e obrigações; e a não permissão de custos extras, como seguros de carga, que no fim acaba repercutindo no preço dos serviços e produtos.
E também critica as exigências especiais de transporte de produtos considerados perigosos (como desodorantes em spray e álcool, que devem ser transportados em recipientes fechados e isolados) juntamente com alimentos. “Até 2004, era proibido transportar produtos perigosos com alimentos, mas agora já é possível
Hoje a situação mudou muito, as embalagens são muito seguras. A ABAD defende o transporte sem limitação”, resume Alessandro Dessimoni, advogado e responsável por esse trabalho da Associação no trâmite das questões da entidade na Câmara de Deputados, em Brasília/DF.
No tocante às exigências de transporte de carga perigosa houve, recentemente, um avanço com a redução da burocracia, a qual exigia que cada produto embarcado (de cada fabricante) fosse transportado juntamente com a ficha de emergência em papel, com impressão colorida. A sua não apresentação ou até mesmo a presença do documento no caminhão, mas sem a carga devida resultaria em penalidade.
A Resolução no 5.848 da ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres, publicada em 26 de junho, que atualizou o Regulamento para o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos, passou a autorizar que o documento seja apresentado na forma eletrônica, o que reduz o custo e o tempo no transporte.
Emerson Destro, presidente da ABAD, destaca a importância de se buscar soluções para que o setor de transportes se desenvolva e reduza impactos de custos que recaem sobre a operação de distribuição.
“Existe a necessidade de uma revisão, de uma desburocratização do processo logístico brasileiro. A exigência de alterações e licenças em excesso gera custo desnecessário.”
Hoje, acrescenta, a legislação exige que alimentos sejam separados de não alimentos para o transporte, o que gera Custo Brasil e complexidade logística no centro de distribuição, e dificulta a entrega, especialmente para abastecer pequenos mercados. “Isso gera baixa produtividade e custo adicional para o consumidor.
Essa exigência não faz sentido. A indústria, de maneira geral, submete as embalagens a testes estanques e rigorosos que garantem a qualidade dos seus produtos”, ressalta.
O empresário acredita que agora, com o governo mostrando disposição para desburocratizar os processos produtivos, é o momento oportuno para realizar um trabalho propositivo, como faz a ABAD, a fim de reduzir custos e ganhar produtividade, sugerindo mudanças na legislação, mas sem prejuízo para a saúde das pessoas.
LOGÍSTICA EFICIENTE
Além de buscar apoio aos pleitos junto ao governo e de parlamentares, e além de contratar uma consultoria para estudar e sugerir caminhos para reduzir/eliminar as amarras legislativas da operação, a ABAD estabelece parcerias para buscar eficiência logística.
No início de agosto, a ABAD e a Abralog – Associação Brasileira de Logística realizaram a primeira reunião do Comitê Logístico, mantendo aberto um fórum de discussão composto por integrantes de ambos os setores. “O que se propõe é estreitar o relacionamento e trabalhar pleitos em comum a serem apresentados em Brasília/DF”, explica Destro.
Pedro Moreira, presidente da Abralog, lembra que o País tem como ponto central o transporte de cargas nas rodovias, apesar de existirem falhas estruturais, que pedem um melhor balanceamento do setor de modal de transportes. “Mas vê no novo governo uma predisposição para desenvolver a multimodalidade”, observa.
Outro ponto positivo, avalia, é a antecipação da renovação das concessões de ferrovias e o fato de as empresas apresentarem interesse em investir na malha, buscar a multimodalidade e querer chegar aos grandes centros. “Há uma mudança importante que está acontecendo. O que precisamos é dar segurança jurídica aos projetos, com contratos bem formatados, de cláusulas claras, e oferecer taxas atrativas para os projetos. Se isso acontecer, acredito que daqui a dez anos teremos outro perfil, com integração de plataforma logística.”
Porém, trazendo a discussão para o contexto atual, em relação ao Comitê formado em parceria com a ABAD, Pedro Moreira acredita que a logística interna das empresas no Brasil está evoluindo, com investimentos em tecnologia, armazenagem e outros processos.
“Acredito que o sistema será aprimorado com a retomada da economia. E vemos no setor atacadista distribuidor centros de excelência que são referência.”
O Comitê Logístico propõe que seus integrantes troquem informações e soluções para ganharem competência de tecnologia, movimentação, transportes e serviços.
“Queremos desenvolver uma agenda positiva, que passa por aspectos tributários, tecnologia e desenvolvimento. Queremos fazer reuniões e compartilhar boas práticas”, diz Moreira.
EXEMPLO DA PFIZER
Para a Pfizer, multinacional norte-americana que atua no ramo de medicamentos, as rodovias respondem por 90% do transporte de produtos. O grupo atua com operador logístico, responsável pela armazenagem e distribuição para todo o Brasil.
“Para nós, a contratação simplifica a operação. Caso contrário, precisaríamos dispor de uma grande estrutura para essa área. Fechamos contrato e renovamos de três a cinco anos, com níveis de serviços e custos previamente ajustados. É um modelo que vem funcionando nos últimos sete ou oito anos”, explica Carlos Jardim, responsável pelo processo de Logística e Supply Chain da companhia no Brasil, que abrange desde a importação até a entrega final aos clientes.
A empresa adota o critério de enviar os produtos diretamente desde sua origem até o centro de distribuição, em Barueri, na região metropolitana da capital paulista. Lá é realizada toda a operação, processamento de pedidos, separação de produtos, planejamento do transporte e da armazenagem, contratação e rastreamento de cargas. Toda a operação segue um critério de acompanhamento com padrões de qualidade estabelecidos pela indústria e acordado com o operador logístico.
Além disso, a empresa mantém um calendário de auditorias, investigações e ações de preservação de qualidade do serviço.
“Adotamos na empresa um programa de excelência de mercados, que lista uma série de requisitos a que o provedor logístico tem de obedecer, e que incluem o manejo de produtos perigosos, um plano de continuidade dos negócios, de manutenção e contratação de transportadores, e outros requisitos. Aplicamos um calendário anual para avaliar cada um dos itens, com auditorias específicas.”
A Pfizer tem uma fábrica no Brasil, em Itapevi (cidade da Grande São Paulo e vizinha do centro de distribuição da indústria) e mais 32 fábricas no mundo que fornecem produtos para o mercado nacional. Em volume, 50% deles são produzidos no Brasil e a outra metade vem do exterior.